É na poesia que o jovem J.H.M.A, 19 anos, consegue se expressar melhor. Em frases ritmadas, com jogos de palavras e figuras de linguagem, ele encontra um espaço livre, educativo e democrático para transmitir pensamentos, desejos e reivindicações.
Há um ano na Unidade de Internação de Santa Maria, ele já escreveu mais de 130 letras de música e conquistou, no dia 29 de setembro, o título de melhor composição na 1ª Edição do SlaMais Direitos, realizado pelo Projeto RAP – Ressocialização, Autonomia e Protagonismo, com apoio da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus).
“O projeto vem transformando a minha vida. Com a ajuda dos professores, estou aprendendo a me expressar mais. Fora daqui, quero lançar música, virar MC, ajudar minha filha e mostrar que o processo socioeducativo pode, sim, ressocializar. Voltar para cá só se for para me apresentar como artista”, compartilha J.H.M.A.
Além dele, outros jovens e adolescentes da Unidade de Internação de Santa Maria participaram da batalha poética, ajudando em composições coletivas ou subindo ao palco para declamar a produção ao público.
De acordo com o diretor da unidade, Lucian Rocha, a cultura é um dos eixos desenvolvidos entre os internos, além do esporte e da educação básica, por meio de parcerias.
“Para todo tipo de projeto, eles estudam o conteúdo antes e, no caso do slam, foram trabalhados temas como direitos humanos. De certa forma, traz a perspectiva de avaliação da conduta deles dentro e fora da unidade e de como podem melhorar, como uma reflexão”, afirma Rocha.
O subsecretário do Sistema Socioeducativo da Sejus, Demontiê Filho, alega que todo o trabalho desenvolvido pelo Governo do Distrito Federal (GDF), no sentido de ressocialização de jovens e adolescentes, visa incentivar o rompimento definitivo com a trajetória no ato infracional.
“Sabemos que boa parte desses meninos estão em evasão escolar e, por isso, a escolaridade é baixa. Não tiveram acesso a esporte, cultura e lazer, o que aumenta a vulnerabilidade e pode levar à prática do ato infracional. Então, é de extrema importância, e uma das preocupações da Secretaria de Justiça promover ações e parcerias em todos os eixos previstos na legislação, quais sejam esporte, cultura, lazer, educação, entre tantos outros, que levam os jovens e adolescentes a se entenderem enquanto sujeitos de direito e protagonistas da própria vida em uma perspectiva diferente”, explana o subsecretário.
Ferramenta pedagógica
Criação da Associação Respeito e Atitude (Area), o Projeto RAP surgiu em 2015 dentro da Unidade de Internação de Santa Maria. Em sete anos de existência, o projeto alcançou mais de mil jovens e soma diversos lançamentos culturais, como curtas-metragens, CDS e livros com composições dos participantes.
“Utilizar o rap e a cultura urbana como ferramenta pedagógica foi uma coisa que partiu dos próprios socioeducandos, mostrando, como disse Paulo Freire, que eles não são copos vazios, carregam letramentos com eles e com elas que muitas vezes nós educadores não carregamos”, frisa o professor de história da unidade e um dos criadores do projeto, Francisco Celso.
O presidente da Associação Respeito e Atitude, rapper, educador e amigo de Celso há mais de 20 anos, Heitor Valente, acrescenta que o projeto realiza um trabalho preventivo em unidades de ensino do DF para evitar a internação de novos jovens, bem como um acompanhamento na saída do socioeducando, para prevenir a reincidência. E o resultado tem sido muito positivo.
“[O projeto] tem tomado cada vez mais proporção e trazido muitos jovens para o debate sobre o papel deles na sociedade. O índice de reincidência diminuiu muito. Conversamos com temas relevantes para a sociedade, como gênero, racismo, machismo, etc, e sabemos que é importante que eles tenham esse debate dentro do ambiente pedagógico escolar, onde possam não só falar, como serem escutados também”, salienta Valente.
Egressa do sistema socioeducacional, a rapper e slammer Majestoza descobriu o interesse musical a partir do Projeto RAP. Até então, não via perspectiva de futuro e nem enxergava o próprio potencial na arte. Ela foi uma das juradas da 1ª Edição do SlaMais.
“Quando a gente entra em uma unidade de internação, queremos desistir de tudo, porque ficamos longe da família, dos amigos, da liberdade. Então, a arte te resgata, ocupa a sua mente, você põe tudo aquilo que sente no papel”, conta. “Hoje me vejo como um exemplo, quero que as meninas e meninos do socioeducativo olhem para mim e pensem ‘se ela conseguiu, eu também consigo’”, diz.