“Resolvi voltar a estudar porque perdi uma oportunidade de mudar de cargo no trabalho. Agora, quando surgir outra oportunidade, vou estar pronto para assumir”. Essa foi a motivação do porteiro Josias Alves de Assis, 55 anos, para ingressar na Educação para Jovens e Adultos (EJA), após passar a vida inteira longe da sala de aula. Nascido na Bahia, ele interrompeu os estudos ainda nos primeiros anos escolares, devido à insuficiência de docentes no município em que morava. Com isso, pouco sabia ler e escrever.
Anos se passaram e, no primeiro semestre de 2019, Josias criou coragem e voltou para a sala de aula, incentivado pelas duas filhas e pela companheira. Depois de uma prova de nivelamento, foi inserido na turma referente ao quarto ano do ensino fundamental na EJA no Centro Educacional 2 (CED 2) de Taguatinga. A dedicação às atividades escolares, as tarefas para casa e a criação de laços com novos colegas foram interrompidas com a pandemia do novo coronavírus, em março de 2020. Josias se viu, mais uma vez, com dificuldades para estudar, sem conseguir manter o ritmo com as aulas online, e decidiu interromper a alfabetização.
Até que, no segundo semestre de 2021, Josias voltou com gás e força de vontade, obstinado a ultrapassar qualquer obstáculo que aparecesse no caminho. “Quem tá fora, vem pra cá que não vai se arrepender. Tem coisas que, se não tiver uma leitura, fica pra trás”, afirma. Hoje estudante da turma do sétimo ano do ensino fundamental da EJA, ele se sente mais preparado para agarrar oportunidades profissionais que surgirem no caminho. “Trabalho na mesma empresa há 30 anos. Quando tiver uma promoção de cargo, será minha. E eu não quero parar de estudar, vou dar continuidade até ver que estou melhor”, ressalta o baiano.
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) permite que pessoas que, por algum motivo tiveram que interromper os anos de ensino regular, tenham acesso à escola e por lá permaneçam. Ao todo, conforme o Caderno de Matrículas 2020 , são atendidos 40.218 estudantes a partir de 15 anos em três segmentos da modalidade.
“A maior riqueza que os pais podem deixar para os filhos é o incentivo ao estudo. Mas se não estudou enquanto era novo, pode ir quando mais velho, é sempre bom”Maria Miranda de Souza, 63 anos
O primeiro segmento corresponde aos anos iniciais do ensino fundamental; o segundo, aos anos finais do ensino fundamental; e o terceiro, ao ensino médio. A idade mínima para o ingresso nos dois primeiros segmentos é de 15 anos completos (diurno) e 18 anos completos (noturno), enquanto o terceiro exige a idade mínima de 18 anos completos, independentemente do turno.
A EJA está disponível em 108 unidades de ensino, localizadas em Brazlândia, Ceilândia, Gama, Guará, Núcleo Bandeirante, Paranoá, Planaltina, Plano Piloto, Recanto das Emas, Samambaia, Santa Maria, São Sebastião, Sobradinho e Taguatinga. O telefone para contato e o endereço de cada uma das escolas estão disponíveis aqui .
Novo horizonte
A aposentada Maria Miranda de Souza, 63 anos, também encontrou na EJA uma nova perspectiva de vida. Quando criança, ela teve pouco contato com a escola devido às dificuldades da época e, aos 40 anos, tentou retomar o aprendizado, mas não conseguiu conciliar os estudos com a rotina de trabalho e de dona de casa.
Vinte anos se passaram até que Maria retornasse definitivamente para a sala de aula. “Agora, com 63 anos, voltei a estudar com garra, força mesmo. E estou gostando da escola, dos professores, do ensino. Está sendo muito bom”, afirma ela, que também está no sétimo ano do ensino fundamental no CED 2 de Taguatinga.
“Quando o pessoal de 20 anos vê uma aluna com mais de 80 anos se dedicando em aprender, estudando, pensa: ‘poxa, se ela consegue, eu também posso’. Todos têm sonhos, querem fazer um curso técnico, uma graduação, entrar no mercado de trabalho. E os exemplos são motivadores”Leopoldo José Alves, professor de matemática
Com o tempo livre graças à aposentadoria, Maria dedica várias horas do dia ao estudo e não tem vergonha em pedir ajuda aos filhos e netos. “Eles sentem orgulho de mim. Dizem que comi pé de cachorro, porque não paro em casa”, brinca Maria, que tem três filhos, oito netos e duas bisnetas.
Ela revela que foi a maior incentivadora da prole em relação aos estudos, já que, como ela não tinha, sentia muita falta. “Quando a gente não sabe, fica com medo de falar. Se eu falo uma palavra errada, dói o ouvido de todo mundo”, afirma. “A maior riqueza que os pais podem deixar para os filhos é o incentivo ao estudo. Mas se não estudou enquanto era novo, pode ir quando mais velho, é sempre bom”, alega.
“Hoje estou muito bem, não falto à escola. Minhas notas são boas, gosto de estudar de tudo, menos o inglês, que é uma barreira pra mim. Tenho sorte que a professora é muito paciente comigo e, se não entendo, chego em casa e peço a meu neto pra me ensinar” comenta.
Orgulhosa do próprio desempenho e dedicação, Maria pretende ir até o final do curso. “Não vou parar. Quero me formar em engenharia e vou conseguir, se Deus quiser. É um sonho que vem desde pequena. Estou engatinhando, mas vou chegar lá”, celebra.
Confira o vídeo:
Participação efetiva
De acordo com a diretora do CED 2, Romênia Boaventura, o conteúdo de cada etapa dos segmentos é adaptado para incluir os pontos mais relevantes para o aprendizado. “Usamos uma metodologia diferente, porque trabalhamos com pessoas que têm uma história, uma bagagem de vida muito grande. Tudo isso é levado em conta e, a partir das vivências e propostas diferenciadas, a gente procura inserir esse estudante de novo no processo de escolarização”, revela a gestora.
O CED 2 atende a cerca de 900 estudantes, em três turnos – matutino, vespertino e noturno –, divididos em 47 turmas. Há alunos desde a idade mínima, 15 anos, até idosos com mais de 80 anos. “Temos três alunas com 82 anos. Para elas, é um resgate da própria história. O fato de estar dentro da escola significa que está retomando alguma coisa incompleta na vida. Então, a interação com os outros estudantes é um grande ganho em termo de vida”, comenta a diretora.
Professor de matemática, Leopoldo José Alves compõe o corpo docente da unidade de ensino e se dedica a ampliar os horizontes de jovens, idosos e adultos. Com mais de 30 anos de carreira, ele utiliza técnicas de alfabetização comuns no jardim de infância para ensinar aos mais velhos. “Os idosos também precisam de um material concreto, assim como as crianças. Precisam de um tempo maior de adaptação. É preciso ter tolerância e força de vontade. A sociedade precisa perceber que se temos um adulto alfabetizado, letrado, temos um cidadão mais consciente”, alega.
A participação dos mais experientes impulsiona os mais novos. “Quando o pessoal de 20 anos vê uma aluna com mais de 80 anos se dedicando em aprender, estudando, pensa: ‘poxa, se ela consegue, eu também posso’. Todos têm sonhos, querem fazer um curso técnico, uma graduação, entrar no mercado de trabalho. E os exemplos são motivadores”, afirma.
O sentimento que fica no coração dos professores, segundo Leopoldo, é o de heroísmo, misturado com gratidão. “Cada indivíduo tem uma história por trás. Enquanto educadores, temos um papel na sociedade e cumprir isso nos deixa muito felizes”, conclui.
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