A História de hoje faz parte de uma série de reportagens especiais que o Correio da Cidade está preparando para seus leitores. Assim como no mês de março, em homenagem às mulheres, onde conhecemos a história da única mulher a assumir o cargo de prefeita na cidade, o dinamismo de Tereza Gesteira e os desafios da educação local na época da ditadura militar, o dom da parteira Francelina, chegou a vez dos trabalhadores serem homenageados em seu mês. A primeira reportagem da série é uma história de alegria e prazer em fazer do trabalho, o momento mais especial do dia.
Jucimário da Conceição Costa, tem 29 anos de idade e é conhecido nas ruas e nos palcos por Mário, o Gari Xtourado. Nascido na fazenda Altamira, em Santo Estevão, ainda criança passou a trabalhar como lavrador para ajudar seus pais no sustento da casa, mas para isso, nunca deixou de estudar. Mesmo com tempo apertado, Mário procurava conciliar as as duas coisas, porque tinha a convicção que os estudos seriam a única forma de abrir portas para o sucesso que ele já sonhava.
Já adolescente, Mário trabalhou de garçom em uma lanchonete, mas foi em 2015 que seu trabalho como servidor público efetivo chegaria. Neste ano, Mário fez o concurso para Agente de Limpeza Pública e foi aprovado.
“Logo no meu primeiro dia de trabalho senti o impacto: não existia calor humano nas minhas tarefas. Eu que estava acostumado a lidar com pessoas na lanchonete, agora me via solitário trabalhando nas ruas sem ninguém perceber meu trabalho, então foi naquele mesmo dia que decidi fazer a diferença”, contou.
Aprendendo a gostar do trabalho: “Eu agora estava num cargo efetivo, seguro por um concurso, poderia me acomodar, mas nunca pensei assim”, diz. Para fazer do trabalho um momento prazeroso, Mário começou a brincar por onde passava fazendo sua atividade de agente de limpeza pública pelas ruas de Santo Estevão. “Meus colegas não gostaram quando comecei a divertir o plantão, mas tive a sorte de ir trabalhar sozinho no roteiro como juntador de resíduos sólidos”, lembra. E foi justamente aí que o dom do entretenimento e teatralização de Mário pegaram forma. “Foi logo no primeiro dia de trabalho como juntador de lixo que comecei a interagir com os moradores das casas por onde eu passava”.
Mário conta que ao passar por uma rua e ouvia o nome de algum morador dali era o suficiente para tudo ficar melhor no seu ambiente de trabalho. “Eu aprendia o nome e no dia seguinte já estava lá dando bom dia para dona Maria, seu João... eu abria o maior sorriso e comecei a ser retribuído”, conta.
Fazendo graça, uma piada sobre sua atividade ou mesmo cumprimentando cada morador pelo nome e olhando nos olhos, Mário começou a não apenas ser notado pelas pessoas, mas também receber gestos de carinho. “Eu passei a ser convidado até pra tomar cafezinho nas casas, tomar um mingau num dia chuvoso... E quando sobrava tempo após concluir minhas tarefas do dia, claro que eu ia”, conta aos risos.
A ideia de gravar os bastidores do seu trabalho: Mário revela que foi aí que decidiu gravar seu primeiro vídeo contando a rotina de seu trabalho como Gari. Ele queria fazer o contrário do que se ver nas redes sociais, quando a ostentação está sempre em alta nas postagens que ele via. “Gravei um vídeo contando a rotina de um Gari, mas não divulguei porque achei que ninguém iria gostar, até que a jornalista Nathy Sena um dia descobriu esse material no YouTube e me chamou para conversar”, lembra. Mário explica que Nathy começou a mostrar a ele que tinha talento e que precisava que compartilhasse isso para as pessoas verem e saber o quão prazeroso pode ser qualquer atividade de trabalho. O primeiro ato da jornalista foi mostrar o vídeo para o radialista Antonio Carlos Salles [ele e Nathy atuam na Paraguaçu FM]. Antonio Carlos, que é dono do Propagar Studios, adorou a ideia e gravou um vídeo contando a história de Mário e sua atuação como ator de rua. Pronto: Descoberto por dois grandes profissionais e duas pessoas de corações generosos, estava traçado um novo destino para o garoto da Altamira que carregava no peito a vontade de atuar em palcos. E assim nascia o personagem o Gari Xtourado.
A chegada aos palcos: O vídeo produzido pelo Propagar Notícias [clique aqui para assistir] foi tão visto na internet que Mário logo foi chamado pelo Departamento de Cultura da cidade para estrear com um stand-up no projeto Sexta no Centro. A estreia, em setembro de 2017, mês de comemoração ao aniversário da cidade, garantiu a Mário mais visibilidade e abriu as portas para estudar mais sobre a nova atividade e procurar novos voos.
“Aí agora eu não era conhecido apenas nas rotas por onde eu passava trabalhando e sim por toda a cidade. Todo mundo comentava que me viu na internet ou que foi assistir ao meu primeiro espetáculo no Centro Cultural e que riram muito da peça teatral”, conta orgulhoso.
Mário passou a se apresentar em eventos na cidade e até em outros municípios, como Rafael Jambeiro. Recentemente ele se apresentou na Altamira, comunidade onde mora sua família. Num espaço montado numa lanchonete, Mário fez a plateia rir e se orgulhar do filho guerreiro daquela localidade.
E o Gari Xtourado tá conseguindo uma renda extra com as atuações. Ele conta que investiu em equipamentos como máquina de gelo seco para efeitos de fumaça, cenários e até um retroprojetor de imagens. “A gente tem que investir nas nossas atividades, só assim crescemos”, aconselha.
Com as duas profissões, de gari e de ator, Mário conta que ao longo dos anos conseguiu comprar sua motocicleta e um carro ano 1996. “Pode ser pouco para alguns, mas para o menino que saiu da roça, foi trabalhar como gari e está tendo a oportunidade de ser ator, já é um sucesso incrível para mim”.
Web TV - Mas não para por aí. Mário ganhou um programa de 15 minutos na TV Door – um canal de tv na internet. O nome do quadro não poderia ser outro: ‘Tá na hora de rir”.
“Não existe trabalho ruim” - Mário conta que todo esse momento que ele vem passando é fruto de um trabalho que muitas vezes é visto com preconceito por alguns. “O incrível que descobri que a discriminação em torno da profissão não estava com a população e sim com alguns colegas de trabalho, mas hoje acho que estou até inspirando eles a se orgulharem. Somos nós que deixamos a cidade limpa, com mais saúde. É um lindo trabalho como outro qualquer”, conta com a voz embargada de emoção e finaliza: “Não existe trabalho ruim. Quando a gente faz nossas atividades de bem com a vida, arrancando sorrisos, dá gosto acordar para ir trabalhar ”, diz.
Mário agora sonha em ajudar a família e para isso quer se aperfeiçoar como ator. “Estou procurando um curso de teatro em Feira de Santana, algo que eu possa financiar. Quero ir mais longe, levar o nome de minha cidade e mostrar a todos o quanto é plena a rotina de um agente de limpeza pública”.
Mário, que tem o segundo grau completo, diz que está lendo muito, todos os dias. “Tenho um amigo que é meu produtor, que pega no meu pé e me pede pra ler muito, para que eu me atualize sempre e aperfeiçoe minha atuação em monólogos no palco. Tenho até produtor agora, já imaginou. Sou abordado nas ruas pra tirar fotos com o público. Olha que legal”, completa, indo embora da entrevista com o sorriso que virou sua marca registrada e que ainda vai surpreender muito. “Só uma coisa que esqueci de dizer antes: minha mãe sonhava em eu ser cantor de trio, de fazer sucesso encima de um caminhão, mas olha eu aqui fazendo história em outro tipo de caminhão”, brinca, ao falar do coletor de lixo. “Os sonhos são adaptáveis, e temos que viver felizes com o que conquistamos, o que não impede de ter determinação para ir mais longe”, conta.
Reportagem | Alysson Ribeiro | Correio da Cidade
Mín. 20° Máx. 28°