A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, garantiu a manutenção dos processos de demarcação de terras retomados pelo governo Lula após cinco anos de paralisação nos governos anteriores. Ela participou de audiência na Comissão de Constituição e Justiça dos Deputados nesta quarta-feira (31), um dia após o Plenário da Câmara dos Deputados aprovar o projeto de lei (PL 490/07), que restringe as demarcações às áreas ocupadas por indígenas até o marco temporal de 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Sonia Guajajara disse que nada muda na estratégia do governo, que, em abril, anunciou seis novas terras indígenas no país.
“Apesar das investidas deste Parlamento que visam restringir e negar os direitos dos povos indígenas, o compromisso do governo Lula em garantir as pautas socioambientais e indígenas permanece de pé. A política de demarcação de terras indígenas prosseguirá”, disse a ministra.
Ela questionou a constitucionalidade do projeto de lei aprovado na Câmara, lembrando que o marco temporal será alvo de julgamento definitivo no Supremo Tribunal Federal no próximo dia 7. Guajajara também comentou as alterações feitas na medida provisória que trata da estrutura administrativa do governo Lula (MP 1.154/23).
“Uma lei ordinária jamais terá o poder de alterar o texto constitucional. Aprovar o PL 490 foi uma demonstração clara de postura anti-indígena. Retirar a atribuição do ato demarcatório do Ministério dos Povos Indígenas e transferi-la para o Ministério da Justiça é uma tentativa óbvia de esvaziamento da pasta e explicita a postura preconceituosa de alguns parlamentares que insistem em querer nos tutelar”, afirmou.
Ministério
Sonia Guajajara disse que o Ministério dos Povos Indígenas foi uma conquista histórica para a superação do que chamou de “negligência, omissão e genocídio institucionalizado praticado pelo Estado brasileiro” ao longo de décadas.
A audiência da ministra na CCJ foi pedida pela deputada Caroline de Toni (PL-SC), preocupada com os efeitos de eventual derrubada do marco temporal no julgamento do STF. A deputada citou o temor de agricultores com riscos de desapropriação em Saudades e Cunha Porã, no oeste catarinense.
“Caso (o marco temporal) caia, são mais de 1 mil pessoas da agricultura familiar que vão perder. E não tinha índio lá. Eles estão desesperados, têm a titulação dada pelo estado, algo legítimo e provado na Justiça”, afirmou.
A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, lembrou o longo processo demarcatório, que envolve estudos antropológicos, ambientais e fundiários, inclusive com prazos para contestações.
“São cinco fases até chegar à conclusão do procedimento de demarcação, em um procedimento que considera todas as informações técnicas de forma pública, para que não reste dúvida nenhuma sobre o procedimento adotado”, disse.
Terras produtivas
As deputadas Caroline de Toni e Coronel Fernanda (PL-MT) também questionaram a ministra quanto ao posicionamento em relação aos indígenas que concordam em produzir em suas terras, como os Pareci, no Mato Grosso. Guajajara respondeu que não há restrição por parte do governo, desde que não haja arrendamento nem exploração da terra por terceiros.
A ministra ressaltou a diversidade dos 305 povos indígenas com modos específicos de vida e que, segundo ela, não podem se restringir a um modelo único de produção, como o defendido pelo agronegócio. A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) citou que o projeto de lei sobre o marco temporal permite, inclusive, a construção de grandes empreendimentos, como hidrelétricas, dentro dos territórios indígenas.
No balanço de suas ações à frente do ministério, Guajajara destacou o enfrentamento à crise humanitária dos Yanomami, a volta do Conselho Nacional de Política Indigenista, a retomada da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) e a previsão de concurso público para a superação do déficit de 1.700 servidores na Funai e outros órgãos.