Surdos e profissionais da educação especial precisam ter maior participação na elaboração de políticas públicas para pessoas com deficiência, como o Plano Nacional de Educação (PNE), disseram os convidados da audiência pública da Comissão de Educação (CE) nesta segunda-feira (5).
Foi oquarto debate do ciclo de audiências requerido pelo senador Flávio Arns (PSB-PR) visando nortear a elaboração do PNE para os decênio de 2024 a 2034. Arns informou que há expectativa de o governo apresentar a proposta no segundo semestre deste ano. O senador disse que a comissão deve se antecipar no assunto.
Segundo Arns, que presidiu o debate com o tema "Educação Especial e Educação Bilíngue de Surdos no novo PNE: nada sobre nós, sem nós", o lema baliza os trabalhos da comissão. O senador relembrou projetos de lei que contaram com a participação social, como o da Lei 14.191, de 2021 , pela qual a instrução bilíngue dos surdos foi qualificada como uma modalidade de ensino. A lei foi proposta por Arns para atender a demanda da comunidade surda brasileira, apresentada pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis).
— A gente precisa dialogar, entender os pontos de vista. Nós [também] aprovamos no Senado Federal, no ano passado, um projeto de lei para termos a semana nacional da autodefensoria [das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais]. Ou seja, se fizermos uma política pública para a agricultura familiar, vamos escutar o agricultor... Na educação é a mesma coisa — disse o senador, referindo-se ao PL 4/2020 , que criaa Semana Nacional da Valorização e Promoção dos Autodefensores das Apaes.
Diretora de Políticas Educacionais e Linguísticas da Feneis, Flaviane Reis explicou que as escolas bilíngues para deficientes auditivos já são previstas no PNE vigente (Lei 13.005, de 2014). Nessas instituições, o aluno com deficiência auditiva é alfabetizado na língua brasileira de sinais (Libras) como primeira língua e em português escrito como segunda. Segundo a lei, uma das metas do Estado é universalizar aos jovens com deficiência o acesso ao ensino básico e ao atendimento educacional especializado. Para Flaviane, o próximo PNE também precisa de metas e estratégias relacionadas à educação bilíngue. E a comunidade surda, observou, pode contribuir para alcançá-las.
— Gostaríamos muito que houvesse um grupo de trabalho para isso, e que houvesse um aval das diretorias nacionais da educação bilíngue, para que haja participação de representante da Fenei — afirmou Flaviane, que se comunicou por meio de Libras, com auxílio de uma intérprete.
Membro da Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva (CBEI) e representante da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD), Arlindo Nobre criticou a falta de alternativas à Libras, ofertada pelo governo, como meio de alfabetização e aprendizado. Arlindo mencionou marcos legais dos direitos de surdos, como a Convenção Internacional da ONU de 2007, para demonstrar o direito dos deficientes auditivos de optarem por qual modelo preferem seguir.
— Sou contra a abertura de escolas especiais para pessoas surdas do modo como são conduzidas. Libras é necessária, porém os surdos que não usam Libras e escolhem serem alfabetizados no português escrito e falado, devem ser respeitados pelo Estado e devem ter metodologias para que isso seja feito. No meu caso, no curso de direito, eu pedia acessibilidade por meio de legendas e a faculdade me empurrava interpretação de libras, a contragosto — reclamou Arlindo, que utiliza implante coclear para abrandar sua surdez.
Falando pela Federação Nacional das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Fenapaes), Fabiana Maria das Graças, disse ser necessário regulamentar centros de ensino especiais para jovens e adultos. Fabiana relatou que é comum jovens com deficiência auditiva, ao serem integrados nos colégios comuns para fazer o ensino médio, não conseguirem se adaptar e retornarem para o modelo bilíngue.
—Temos grandes demandas de retorno de alunos adultos que saíram das escolas especializadas e foram para a rede pública. [...] Temos histórias de alunos que chegaram ao ensino médio e voltaram buscando a escola especializada para fazer a educação escolar, e nós não podemos matricular, porque não temos ensino médio, nem achamos que devemos ter — disse a representante das Apaes.
Ela também criticou o abandono do termo "especial" por parte da sociedade como referência a pessoas com deficiência.
— Estamos discutindo o próprio nome 'especial', numa espécie de rótulo negativo. Caiu rejeitado por um grupo de profissionais, queremos acreditar que sejam segmentos que desconhecem a seriedade com que fazemos esse trabalho — disse Fabiana da Graças.
A representante da Federação Nacional das Associações Pestalozzi (Fenapestalozzi), Silvia de Souza Campos, cobrou atenção aos profissionais da educação especializada na elaboração de políticas públicas. Também alertou para a falta de investimento e de dados na área.
— A gente precisa ter dados de como estão as condições de estudos das pessoas com deficiência da rede comum e filantrópica para [...] trazer as interferências necessárias para desenvolver a educação inclusiva. Para dizer que ela é de qualidade e [que os alunos] estão, principalmente, felizes de estar no espaço escolar — afirmou Silvia Campos.
O PNE é um plano estabelecido por lei, que abrange o período de dez anos e determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional. Previsto na Constituição Federal de 1988, o plano baliza os estados e municípios na elaboração de seus respectivos documentos, chamados planos subnacionais. A integração dos entes federativos na área é prevista não só na Carta Magna, mas também na Lei 9.394, de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB).
Nesse regime de colaboração, a União é responsável por coordenar a política nacional e dar diretrizes, como ocorre com o PNE. Isso também se dá pela assistência financeira concedida aos demais entes, com a definição de matérias mínimas a comporem os currículos e de normas gerais para cursos de graduação. Os estados, por outro lado, são responsáveis por ofertar, prioritariamente, o ensino médio. Já os municípios devem assegurar prioritariamente o ensino fundamental, com auxílio dos estados, e além do ensino infantil e das creches.
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