Amparado por habeas corpus, o ex-diretor financeiro e de relações com investidores da Americanas, Fábio da Silva Abrate, se negou a responder, nesta terça-feira (1º), a uma série de perguntas da CPI que apura a fraude contábil de R$ 20 bilhões na empresa varejista. Ele é apontado pela atual diretoria como um dos responsáveis pelo rombo, que hoje ultrapassa R$ 40 bilhões. Abrate entrou na Americanas como estagiário em 2003 e acabou demitido em fevereiro deste ano. Aos deputados, ele disse ter convicção na inocência.
“Essas acusações foram feitas de forma genérica, baseadas em fatos fora de contexto e em documentos aos quais sequer tivemos acesso até este momento, o que me impede de saber do que estou sendo exatamente acusado e de me defender de maneira adequada”, afirmou.
O ex-diretor executivo da Americanas Miguel Gutierrez também deveria depor, mas alegou problemas de saúde, informou que está fora do Brasil e solicitou novo agendamento à CPI.
Os deputados se concentraram, então, nos auditores independentes que monitoraram os últimos exercícios contábeis da empresa. A PricewaterhouseCoopers (PwC) cobriu o período de 2019 a 2022. Sócio da auditoria, Fábio Cajazeira Mendes citou os resultados da investigação interna da Americanas para classificar a fraude como de “difícil detecção”.
“Em se confirmando a falsificação de documentos, a omissão deliberada no registro de operações, a prestação intencional de falsas representações aos auditores e o conluio de pessoas de diversas áreas da companhia, estará caracterizada uma fraude de gestão de difícil detecção, baseada em má conduta flagrante e intencional por parte da administração, incluindo [as áreas] comercial, financeira, tesouraria e contábil, com participação de, pelo menos, sete diretores executivos e dezenas de pessoas”, explicou.
Sócia de auditoria da KPMG, Carla Bellangero lembrou que, entre 2017 e 2018, foram apontadas “deficiências e necessidade de melhoria nos controles internos” de VPC, a Verba de Propaganda Cooperada, um dos focos do rombo atualmente detectado. Porém, ela garante que, na época, nada indicava fraude nem atos intencionais por parte da direção da Americanas.
Carla Bellangero lembra que a KPMG chegou a emitir cartas extraordinárias de controle externo em 2019, mas o contrato com a Americanas foi encerrado meses depois. “Os riscos estavam divulgados e eram de conhecimento da diretoria, do Conselho Fiscal, do Comitê de Auditoria e da maioria do Conselho de Administração. As auditorias nada têm a ganhar com as fraudes, ao contrário, são vítimas dessa situação”, declarou.
As explicações não convenceram alguns deputados, como Mendonça Filho (União-PE) e Tarcísio Motta (Psol-RJ), para quem a atuação das auditorias independentes afetou a saúde financeira da Americanas e ampliou o tamanho da fraude que afetou os acionistas e os trabalhadores da empresa.
A deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) concordou. “O que nós temos aqui é uma confissão de incompetência para não incorrer em, no mínimo, quatro tipos penais ou conluio. Estamos falando de um roubo de uma década e de um modus operandi que funcionou de maneira criminosa dentro da empresa. Apurar deficiências e necessidade de melhorias diante de R$ 4 bilhões de diferença entre o valor anunciado e o de fato praticado em VPC; R$ 18 bilhões de risco sacado; R$ 2,2 bilhões de capital de giro: qualquer um poderia identificar”, afirmou Melchionna.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) defendeu a criação de um tipo penal para punir a gestão fraudulenta de empresas de capital aberto. O presidente da CPI, deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE), concordou com a necessidade de aperfeiçoamento da legislação e admitiu aumentar o número de reuniões da comissão ao longo da semana para debater o tema em audiências públicas.
Requerimentos aprovados
Também nesta terça, os deputados aprovaram 21 requerimentos, entre eles as convocações do ex-CEO da Americanas Digital, Márcio Cruz; do presidente do Conselho Fiscal da Americanas, Carlos Alberto de Souza; além dos contadores Gustavo Rocha Neiva Pereira, Francisco Silva Telles e Márcio Onida de Araújo e dos integrantes do Conselho de Administração da empresa Eduardo Saggioro Garcia, Celso Alves Ferreira Louro, Luiz Carlos Di Sessa Filippetti, Mauro Muratório Not e Paulo Antunes Veras.
Ainda foram aprovados convites ao delegado da Polícia Federal Acen Amaral Vatef e ao procurador da República José Maria de Castro Panoeiro, responsáveis pelas investigações de fraudes.
A lista de convidados inclui o presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Caio Magri, além de representantes do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e das Superintendências de Proteção e Orientação aos Investidores e de Relações com o Mercado e Intermediários da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Os demais requerimentos aprovados se referem a compartilhamento de informações com vários órgãos.
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