A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados realizou, na quarta-feira (23), um seminário para cobrar a conclusão do julgamento da tragédia da boate Kiss, ocorrida há mais de dez anos em Santa Maria (RS). O caso está em análise no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e também é alvo de ação na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Organizadora do seminário, a presidente da comissão, deputada Luizianne Lins (PT-CE) anunciou a intenção de visitar Santa Maria ainda neste ano e de realizar uma "grande audiência" com familiares e autoridades na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. “Além de a gente criar o fato político para chamar a atenção desses 10 anos, a gente também já saberá quem vai ter coragem de enfrentar e dizer o que está sendo feito em relação à não-impunidade”.
Em 27 de janeiro de 2013, um incêndio provocado pelos efeitos visuais de um show musical na boate Kiss deixou 242 mortos e 636 feridos. Quatro pessoas chegaram a ser condenadas por júri popular a penas de 18 a 22 anos de prisão em 2021, mas, no ano seguinte, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acatou os recursos de nulidade do julgamento e determinou a soltura dos réus.
Sobrevivente do incêndio quando tinha 18 anos de idade, o atual presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Gabriel Rovadoschi Barros, relatou o que chamou de “grave crueldade” imposta pela impunidade.
“Não havendo justiça, é como se o Estado não reconhecesse a verdade do que aconteceu. A pauta Kiss é a pauta da prevenção e de tudo que engloba essa grande e complexa aventura que é se propor a viver em um mundo onde a gente deve ter garantido o nosso direito à vida e à segurança nos diferentes espaços que nos pertencem”.
Atual segunda secretária da Mesa Diretora da Câmara, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) era ministra dos Direitos Humanos na época da tragédia e relembrou a comoção internacional do caso. Rosário fez questão de renovar a solidariedade aos familiares e de reforçar a luta contra impunidade.
“Eu quero deixar consignado aqui, como parlamentar da Mesa Diretora e em nome da Casa, o meu agradecimento a vocês por sempre trazerem o nome, o sobrenome e a história dessa juventude ali ceifada das nossas relações. Tragédias podem ser evitadas. Sempre trabalhamos com o tema da não repetição"
Revolta
Ligiane Righi da Silva, que também participou do seminário, lembrou que a filha Andrielle Righi foi com quatro amigas comemorar o aniversário de 22 anos na boate naquela noite e todas morreram. Assim como os demais pais de vítimas presentes no seminário, Ligiane manifestou revolta pela “omissão e negligência” de autoridades que deveriam ter fiscalizado o local e pela “ganância” dos donos da boate, que funcionava com irregularidades como extintores insuficientes, barras nas portas de segurança e falhas na sinalização.
“A nossa luta é pela Andrielle, que se foi, mas também, e principalmente, pelos que ficaram: para que possam sair com segurança, ter muitas portas de emergência, ter extintores. Era uma boate que nem devia estar aberta. Cadê a responsabilidade de cada um? Até hoje, cadê essas respostas? Foi uma tragédia anunciada. A nossa vida praticamente congelou naquele dia”.
Logo após a tragédia, Câmara e Senado aprovaram a chamada Lei Kiss (13.425/17) para unificar regras de estados e municípios sobre segurança em casas de espetáculos. Mesmo assim, Luizianne Lins defendeu uma força-tarefa para a votação de outras propostas que ainda estejam em análise no Parlamento. A deputada ainda anunciou futuro encontro com o ministro da Justiça, Flávio Dino, para sugerir operações de fiscalização e ações preventivas em locais de entretenimento.
A representante do Ministério dos Direitos Humanos informou tratar a tragédia da Boate Kiss na mesma perspectiva de “memória, verdade e justiça”, com a qual visa superar os traumas da escravidão e da ditadura militar. A intenção é construir “garantias de não repetição”, segundo Isabel de Campos Machado, coordenadora geral dos Sistemas Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos. O ministério também acompanha a ação sobre o tema analisada na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O evento também contou com a presença de engenheiros e representantes da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Eles afirmaram que o respeito às normas já vigentes pode ajudar na prevenção de incêndios e na garantia de infraestrutura de qualidade em todos os estabelecimentos. Citando dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), o superintendente da ABNT, Rogério Lin, lembrou que o Brasil registrou 262.087 incêndios em 2020, com média de 9,4 por hora. Desse total, 83.006 ocorreram em perímetro urbano, incluindo edificações.
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