Participantes de debate na Câmara dos Deputados discordaram a respeito da proposta que criminaliza a posse e o porte de qualquer quantidade de droga. O texto, já aprovado no Senado, está em análise pela Comissão de Constituição e Justiça, que realizou a audiência pública nesta quarta-feira (22).
Segundo a Proposta de Emenda à Constituição ( PEC 45/23 ), caberá ao juiz definir, de acordo com as provas, se a pessoa flagrada com droga responderá por tráfico ou será enquadrada somente como usuária.
Hoje, a Lei Antidrogas considera crime comprar, guardar, transportar ou trazer consigo drogas para consumo pessoal, com penas como advertência sobre os efeitos das drogas e prestação de serviços à comunidade.
Se a proposta for aprovada, a criminalização do usuário passa a integrar a Constituição, e estará acima da Lei Antidrogas.
O presidente da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina e professor do departamento de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, Ronaldo Laranjeira, acredita que o debate em relação à maconha é muito “ideologizado”.
Segundo Laranjeira, o uso continuado da droga pode levar à perda de até 7 pontos do QI, o Quociente de Inteligência, causando prejuízo nos estudos e na capacidade de trabalho dos indivíduos.
O psiquiatra também afirma que a criminalização do usuário protege os mais vulneráveis.
“O sistema de saúde não dá conta de ter esse tratamento organizado. E quem é mais penalizado é a população mais pobre, a população mais vulnerável. Então essa pessoa, às vezes, que defende a legalização, é porque a pessoa que tem dinheiro vai pagar médicos mais caros, vai ter acesso de alguma forma ao tratamento”, diz.
Já Nathália Oliveira, socióloga e diretora da organização Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas, apontou que 68% da população carcerária do País são negros, sendo um terço deles presos por crimes relacionados a drogas. Ela defende que a resposta aos usuários não está dentro da criminalização, mas sim da saúde pública.
A socióloga também ressaltou consequências da criminalização.
“A opção política e ideológica da proibição de algumas drogas resultou numa forte indústria transnacional e ilegal, que corresponde a cerca de 1,5% de todas as riquezas produzidas no globo e opera sem nenhuma regulamentação, sobrevivendo sob grandes esquemas de corrupção financeira.”
Diretor da organização de direitos humanos Conectas, Gabriel Sampaio considera a proposta “inconstitucional e inconveniente”.
“O que ela diz pra sociedade é: em lugar de saúde pública, em lugar de tratamento, em lugar de prevenção e de um papel mais educativo do Estado, a proposta que está sendo apresentada coloca a ideia da prisão, da criminalização, do autoritarismo como solução para um problema que é extremamente complexo.”
STF x Congresso
A análise da proposta que criminaliza a posse e o porte de qualquer quantidade de droga ganhou força no Congresso depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a discutir a descriminalização do porte de pequenas quantidades de maconha. O placar estava 5 a 3 a favor da descriminalização quando um pedido de vista suspendeu o julgamento, em março deste ano.
O deputado Osmar Terra (MDB-RS) ressaltou esse ponto e o papel dos parlamentares.
“A representação da sociedade brasileira não está numa ONG, não está num conselho aparelhado. Ela está nas pessoas eleitas pela sociedade para falar por elas. Mais de 100 milhões de brasileiros elegem 513 deputados e 81 senadores para decidir por eles”, apontou.
Resposta à sociedade
O deputado Ricardo Salles (PL-SP) é o relator da proposta na CCJ. Ele destacou sua preocupação em dar uma boa resposta ao problema das drogas.
“Nós temos uma preocupação grande de que a resposta dada pelo Poder Público tenha o máximo de eficácia, precisão e objetividade. Dados, pesquisas e estatísticas têm pra todo gosto. Aqui nós estamos, no papel de legisladores que somos, imbuídos da obrigação de dar uma resposta para a sociedade sobre aquilo que ela espera de nós”, ressaltou.
Ricardo Salles disse ainda que, enquanto questões envolvendo drogas forem crimes, têm de ser de forma bilateral, ou seja, se “quem vende é bandido, quem compra também.”