Durante audiência pública nesta quinta-feira (23) ambientalistas e representantes do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima apontaram o negacionismo, movido por interesses econômicos, como a maior ameaça contra a preservação e recuperação da Mata Atlântica. O debate foi promovido pelas Comissões de Defesa da Democracia (CDD) e de Meio Ambiente (CMA) para celebrar o Dia Nacional da Mata Atlântica, comemorado no dia 27 de maio, e foi presidido pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA).
Os participantes ressaltaram a importância do bioma para o enfrentamento da crise climática, para a preservação do ecossistema e para a segurança hídrica, garantindo abastecimento de água a 15% do território nacional, que abriga 72% da população e 80% do PIB do Brasil.
No entanto, apesar da proteção legal, já que o bioma é o único que conta com lei especial única ( Lei da Mata Atlântica - Lei 11.428, de 2006 ), e de ser considerado Patrimônio Nacional pela Constituição, a Mata Atlântica segue ameaçada, com apenas 24% de sua cobertura florestal original restante, conforme dados do mais recente Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica , coordenado pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Diante do cenário de degradação e de crises climática e ambiental, os debatedores destacaram a urgência de ações de conservação e restauração do bioma, além da necessidade de reforçar a mobilização social conta o negacionismo científico.
Segundo a secretária de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Rita de Cássia Guimarães Mesquita, uma das maiores preocupações de quem está à frente dos planos de governança ambiental é em relação ao negacionismo. É preciso questionar, segundo ela, depois de tantos anos de impacto à Mata Atlântica e a outros biomas, a razão de o Brasil ainda estar discutindo flexibilizações na legislação, para degradar ainda mais o meio ambiente. A secretária observou que o Brasil é capaz de desenhar “a possibilidade da convivência de processos produtivos” com a conservação da natureza.
— Não há espaço mais nos tempos atuais para […] justificar a falta de conhecimento e a ignorância sobre o valor desses ambientes, para justificar […] processos legais que desconsideram toda a informação que existe. Talvez a maior ameaça que a Mata Atlântica sofrea é a do negacionismo, claro, das evidências científicas, do conhecimento do valor dessas áreas que ali habitam. As consequências nós estamos vendo aí. Não é só com o que está acontecendo com o Rio Grande do Sul, mas outros biomas nossos estão sofrendo e passando.
A senadora Eliziane Gama, autora do requerimento para realização da audiência e presidente da CDD, alertou para a crescente onda negacionista que, avalia, é um dos pilares de avanço da extrema direita mundo afora. Para ela, é importante unir forças e ações para fortalecer democracia e uma sociedade consciente e vigilante no combate ao negacionismo.
— Nós temos um enfrentamento diário hoje no Brasil que é enfrentamento ao negacionismo. A gente sabe que aqui no Brasil, como no mundo, tem avançado uma extrema direita de uma forma muito intensa e de uma forma muito organizada. Com células no mundo inteiro, de uma forma focada, planejada, organizada, de uma ação clara de implantar, infelizmente, o negacionismo. […] Negando, por exemplo, as questões das mudanças climáticas. Muito embora nós estejamos hoje vivendo um drama muito grande que é o desastre […] no Rio Grande do Sul.
Ainda conforme os dados do Atlas da Mata Atlântica, entre 2022 e 2023, o desflorestamento teve grande aumento em fragmentos isoladas e áreas de transição da Mata Atlântica com outros biomas. A destruição da mata nativa saltou de 74.556 para 81.356 hectares, o equivalente a mais de 200 campos de futebol desmatados por dia.
Diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto explicou que esse dado reflete exatamente o aumento das derrubadas observadas pelos estudos em regiões de transição da Mata Atlântica junto ao Cerrado e à Caatinga, principalmente nos estados da Bahia, no Piauí e no Mato Grosso do Sul.
De acordo com o pesquisador, os principais vetores que têm levado ao desmatamento do bioma, segundo o pesquisador, são a expansão da agropecuária (responsável por mais de 90% desse desmatamento), expansão urbana e especulação imobiliária, além da expansão da infraestutura e do turismo.
Para Guedes Pinto, diante das crises climática e da biodiversidade, é fundamental que o Brasil siga os marcos legais internacionais e coloque a Mata Atlântica como um bioma central para buscar o desmatamento zero e a recuperação das florestas, plantando pelo menos 3 milhões de hectares destas. Para ele, esse é um compromisso urgente e inquestionável.
— O que a gente precisa, na Mata Atlântica, é a aplicação rigorosa da lei, e daí tem um recado para esta Casa e para o governo, que é uma recomendação muito forte da aplicação da Lei da Mata Atlântica. Porque nessas regiões de fronteira, de transição, muitas vezes ela não é reconhecida, é contestada, e não é aplicada, inclusive, por utilidades públicas.
Os participantes criticaram recentes ações do Congresso Nacional no sentido de flexibilizar normas ambientais, no chamado “pacote da destruição”, que incluem uma série de projetos em tramitação na Câmara e no Senado. No caso do bioma, foi mencionada a medida provisória (ainda do ex-presidente Jair Bolsonaro), posteriormente vetada pelo presidente Lula, que flexibilizava as regras da Lei da Mata Atlântica, reduzindo os mecanismos de controle ao desmatamento no bioma. O Senado foi responsável pela articulação para manter o veto presidencial .
A diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, disse que o “pacote da destruição” continua firme no Congresso Nacional e o Senado tem sido a “barreira de contenção de danos”.
— Agradecemos imensamente o papel do Senado na retirada daqueles jabutis, no ano passado, que acabavam com a Lei da Mata Atlântica. E sobretudo na manutenção dos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, presidente este que, ao lado da [ministra] Marina Silva, sancionou a Lei da Mata Atlântica. Que só existe pela presença ativa e aguerrida da sociedade civil, da comunidade científica.
Fabio Feldmann, que foi deputado constituinte e esteve à frente da luta para que a Constituição considerasse a Mata Atlântica como Patrimônio Nacional, afirmou que a atual conscientização dos brasileiros para preservação do bioma é um resultado do engajamento da sociedade civil juntamente com as ações de mobilização com o poder público.
Para Feldmann, os recentes desastres climáticos indicam que o Brasil vai precisar pensar em legislações específicas para cada um de seus outros cinco biomas, assim como a atual Lei da Mata Atlântica, com foco na efetividade da governança ambiental e no enfrentamento as tentativas de flexibilização das leis.
— Nós estamos assistindo aí nos últimos anos a uma tentativa de flexibilização, de esvaziamento da legislação ambiental brasileira e o senadores têm sido a grande trincheira, grande resistência em relação a isso.
Eliziane Gama também criticou essa “pressão” no Legislativo por mudanças na legislação ambiental.
— Nós já vimos aqui uma verdadeira ação conjunta, orquestrada, na tentativa de desconstruir, de matar essa lei [Lei da Mata Atlântica] que foi muito importante. O Fábio Feldmann teve um papel fundamental nessa conquista brasileira. Nós, numa verdadeira força tarefa, conseguimos brecar alguns desses atrasos, ou dessas tentativas de, de fato, destruir essa lei.
Os especialistas foram unânimes em observar que o Código Florestal ( Lei 12.651, de 2012 ) se constitui no principal mecanismo para a preservação e recuperação das florestas brasileiras. Na avaliação deles, não adianta os seguidos governos se preocuparem apenas em cumprir em atingir “metas grandiosas” com o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Para eles, o plano de governança ambiental precisa envolver as comunidades locais, os municípios e os proprietários particulares de terra no cumprimento do Código Florestal.
— Nós temos muitas áreas que podem ser protegidas pelos proprietários de terra. Nosso trabalho é pelo fortalecimento das Unidades de Conservação, seja no âmbito federal, seja nos 17 estados da Mata Atlântica, mas nós temos 3.429 municípios na Mata Atlântica que também têm que olhar para o seu espaço local e garantir que essas áreas sejam preservadas. […] Também trazer os proprietários de terras para a criação das reservas particulares do patrimônio nacional — defendeu a presidente do Conselho da Fundação SOS Mata Atlântica, Marcia Hirota.
Muitas das informações passadas pelos debatedores foram em resposta às inúmeras perguntas encaminhadas à audiência por meio do e-Cidadania. Como o questionamento do Gabriel, de São Paulo, que perguntou sobre conciliar o avanço do agronegócio com a preservação da Mata Atlântica, sem comprometer a segurança das comunidades.
O Dia Nacional da Mata Atlântica é celebrado em 27 de maio, uma data oficial instituída em referência à Carta de São Vicente, escrita por Padre Anchieta, em 1560, na qual ele descreve a exuberância da biodiversidade das florestas tropicais nas Américas.
A Mata Atlântica é uma das florestas mais ricas em diversidade de vida no planeta e a segunda maior floresta tropical do Brasil, mas possui um histórico de devastação iniciado logo após a chegada dos colonizadores europeus, há mais de 500 anos. Por esta e outras ações, tornou-se o bioma brasileiro com os piores índices de conversão da cobertura vegetal original e consequente da perda de biodiversidade.
Ela abrange cerca de 15% do território nacional, abrangendo 17 estados e 3.429 municípios, que concentram 72% da população brasileira.
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