O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, com vetos, a Lei 14.874, de 2024 , que estabelece regras e princípios para a condução de pesquisas clínicas em seres humanos. A norma garante direitos para os participantes voluntários dos estudos e os deveres para o pesquisador, o patrocinador e as entidades envolvidas.
Sancionado na terça-feira (28), o texto estabelece o controle das boas práticas clínicas por meio de comitês de ética em pesquisa (CEPs). Entre os requisitos definidos, está o respeito à privacidade do participante da pesquisa e às regras de confidencialidade de seus dados, com a preservação do sigilo sobre sua identidade.
Além disso, a pesquisa deverá garantir a participação de representantes de ambos os sexos e de “segmentos raciais constitutivos da sociedade”, quando essencial para pesquisa e quando não implicar prejuízo para seu andamento.
O texto tem origem no PL 6.007/2023 , aprovado pelo Senado em 23 de abril. O projeto é um substitutivo (texto alternativo) da Câmara dos Deputados ao PLS 200/2015 , dos ex-senadores Ana Amélia (RS), Waldemir Moka (MS) e Walter Pinheiro (BA).
Ao retornar ao Senado, a proposta foi relatada pelo senador Dr. Hiran (PP-RR) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no Plenário. Ele dispensou parte das mudanças que haviam sido feitas pelos deputados. Para o senador, a proposta cria um “marco legal”, que facilitará a inovação e a chegada de mais recursos para o país em relação às pesquisas.
A nova lei determina que as pesquisas atendam a exigências éticas e científicas, como o embasamento em relação ao risco-benefício favorável ao participante; respeito a seus direitos, segurança e bem-estar; e respeito a sua privacidade e ao sigilo de sua identidade.
Também estabelece instâncias de revisão ética por meio dos comitês de ética em pesquisa, proteção dos voluntários, responsabilidade dos pesquisadores e patrocinadores, entre outros temas.
Para isso, será criado o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica com Seres Humanos, que será regulamentado pelo Poder Executivo e se segmentará em uma instância nacional de ética e nos comitês de ética em pesquisa. Na Câmara dos Deputados, a criação do sistema havia sido descartada, mas foi retomada pelo relator no Senado.
Os CEPs terão prazo de 30 dias úteis para a análise ética de pesquisa, com emissão do parecer, contado a partir da aceitação da integralidade dos documentos. O parecer do comitê poderá aprovar, recusar ou estabelecer a suspensão, por motivo de segurança, de uma pesquisa já aprovada anteriormente.
De acordo com a lei, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) terá prazo de 90 dias úteis para a análise de petições primárias de ensaios clínicos com seres humanos. Se não houver manifestação da Anvisa nesse prazo, o desenvolvimento clínico poderá ser iniciado, desde que contenha as aprovações éticas pertinentes.
A norma sancionada também cria regras para fabricação, uso, importação e exportação de bens ou produtos para esse tipo de pesquisa, com medidas para o armazenamento e a utilização de dados e de material biológico humano.
Sobre o descumprimento das medidas previstas, conduzir pesquisa com seres humanos sem seguir as regras da nova lei implicará infração ética. O infrator estará sujeito às sanções disciplinares previstas na legislação do conselho profissional ao qual é vinculado, sem prejuízo das sanções civis e penais cabíveis. As novas regras previstas na lei passarão a vigorar 90 dias após a sanção.
O governo decidiu vetar dois trechos do projeto original aprovado no Congresso. Um deles determinava que o Ministério Público fosse comunicado sobre a participação de membro de grupo indígena em pesquisas. A regra estava prevista no capítulo da lei relacionado à proteção dos participantes em situação de vulnerabilidade. Com o veto, essa comunicação não precisará ocorrer.
Para o governo, o trecho que foi vetado “fere o princípio da isonomia e aponta para possível situação de tutela estatal em relação aos povos indígenas, condição já superada pela legislação”.
Ainda será necessário, entretanto, conforme a lei sancionada, que o pesquisador responsável e o representante do participante considerado legalmente incapaz coassinem uma comunicação ao Ministério Público informando o roteiro de participação do indivíduo na pesquisa.
Outro trecho rejeitado pelo governo trata das condições para a interrupção do fornecimento gratuito de medicamento experimental. O inciso vetado determinava que a disponibilização do medicamento poderia ser interrompida depois de cinco anos que o remédio estivesse disponível comercialmente pela iniciativa privada.
“A interrupção da oferta do medicamento no período pós-estudo fere os direitos dos participantes de pesquisa e compromete o eventual desenvolvimento de pesquisas éticas baseadas em princípios de dignidade, da beneficência e da justiça”, afirmou o governo na justificativa do veto.
Ao defender que o medicamento deve continuar sendo fornecido, o governo argumenta que “atualmente, é assegurado a todos os participantes, no final do estudo, por parte do patrocinador, acesso gratuito e por tempo indeterminado a métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos que se demonstraram eficazes”.