Câmara dos Deputados Câmara dos Dep...
Incidência do IBS e da CBS sobre doações e empréstimos põe tributaristas em lados opostos
Assunto foi debatido nesta segunda em reunião do grupo de trabalho que analisa o PLP 68/24
03/06/2024 19h55
Por: Correio Fonte: Agência Câmara

Especialistas em direito tributário apresentaram à Câmara dos Deputados nesta segunda-feira (3) críticas e sugestões a diversos pontos do Projeto de Lei Complementar 68/24 , do Executivo, que regulamenta a reforma tributária (Emenda Constitucional 32). O projeto está sendo discutido por um grupo de trabalho da Câmara dos Deputados.

O debate, presidido pelo deputado Hildo Rocha (MDB-MA), girou em torno das normas gerais de funcionamento do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre estados e municípios, e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, que vão substituir PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS após um período de transição (de 2026 a 2033).

A principal divergência entre os debatedores foi a previsão de incidência dos tributos sobre operações não onerosas, como o fornecimento de bens e serviços para uso e consumo pessoal de empregados do contribuinte.

Continua após a publicidade

Consultora do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Melina Rocha considera positiva a previsão de incidência dos tributos sobre operações não onerosas, como doações, assim como ocorre com as onerosas, ou seja, envolvendo pagamentos por produtos e serviços.

Continua após a publicidade
Continua após a publicidade

“Qual é o objetivo dessa tributação não onerosa de pessoas físicas ligadas a empresas? É justamente o princípio da neutralidade. O diretor ou empregado que recebe para uso pessoal um veículo ou um telefone tem que sofrer a mesma tributação do que se ele alugasse ou comprasse esses bens de terceiros”, pontuou.

Ela também concorda com a ideia prevista na regulamentação que garante ao contribuinte crédito em todas as operações. “Todas as regras internacionais têm um ‘se’, têm uma condição para que o contribuinte tenha direito ao crédito. Aqui o que se tem são exceções para bens de uso e consumo pessoal, imunidades e isenções, que não preveem esse direito”, explicou.

Proposta confusa
Por outro lado, a pós-doutora em direito tributário Betina Grupenmacher entende que a proposta de regulamentação, apesar de boa, está confusa e agride a própria emenda constitucional. Ela, por exemplo, é contra a previsão de incidência do IBS e da CBS sobre as operações não onerosas, como cessões, empréstimos e locações.

“A nossa tributação incide sobre manifestações de riqueza, manifestações de capacidade contributiva, e operações não onerosas não revelam capacidade contributiva no meu entendimento”, defendeu. “Essa inclusão de locação, licenciamento, concessão, empréstimo, algo que eu vou receber de volta, na verdade, eu empresto dinheiro e vou receber de volta e eu vou pagar IBS?”, questionou.

Constitucional
Procurador da Fazenda Nacional, Antônio de Souza Júnior defendeu a constitucionalidade da incidência dos tributos sobre operações não onerosas. Segundo ele, a Emenda 32 estabelece apenas que os tributos incidem sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, além de serviços, cabendo ao legislador materializar a hipótese de existência do tributo.

“O projeto não amplia hipóteses de incidência, apenas complementa a Constituição. Ele determina que as operações não onerosas só terão incidência se expressamente previstas na lei. E, quando a gente vai olhar essas operações, percebe-se que são na verdade operações com conteúdo econômico. Nesse ponto não tem inconstitucionalidade”, sustentou.

Modelo europeu
Conselheiro da Embaixada da Espanha no Brasil, Francisco Gallardo comentou sobre as características do IVA na União Europeia, principalmente o princípio da generalidade. “Dois princípios são importantes porque são as duas faces da moeda: a generalidade no fato gerador e a generalidade no direito à dedução”. Segundo ele, quando há risco de consumo privado, que é quando uma pessoa física se aproveita da possibilidade de dedução para não pagar o tributo, existem duas soluções: limitar o direito às deduções a alguns casos ou tributar operações não onerosas.

“Primeiro temos a limitação do direito à dedução. Ou seja, a exclusão do direito à dedução quando está se colocando na empresa uma despesa que por natureza é privada. Alternativamente, temos a tributação das operações gratuitas, ou seja, das operações não onerosas”.

Críticas
Consultor do Movimento Brasil Competitivo, Rodolfo Tamanaha criticou o trecho do projeto que condiciona o crédito ao contribuinte ao efetivo pagamento do tributo. “A emenda constitucional coloca que uma lei poderá estabelecer hipóteses em que o aproveitamento do crédito ficará condicionado à verificação do efetivo recolhimento do tributo, ou seja, essa é uma das possibilidades. Mas, pela proposta de legislação complementar, pagar o tributo acaba se tornando a única opção”, disse.

Professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Scaff chamou atenção para a oneração do fluxo de caixa das empresas. “No sistema de hoje você faz a operação e o pagamento se dá no dia 5 do mês seguinte. Aqui [no projeto] diz que uma parte do imposto já fica com o fisco. É isso que todo mundo quer fazer? ‘Comer’ o capital de giro das empresas? Se for isso, sigam adiante”, reclamou.

Professor de direito financeiro da USP, Heleno Torres, por fim, criticou a tributação de serviços financeiros. “Não é possível haver a convivência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) com a tributação de serviços financeiros por IBS e CBS. O IOF é o imposto a ser extinto. Sem dúvida nenhuma, tributar câmbio, operações com títulos e valores mobiliários e operações de seguros é tributar duplamente se for mantido o IOF”, criticou.

O grupo de trabalho pretende entregar o relatório até o final de julho. Ainda serão realizadas as seguintes audiências públicas: