Aos 36 anos de idade, a analista financeira Daniela de Almeida Tavares via sua irmã mais nova, Katia Rodrigues de Almeida, se recuperar de um câncer de mama. Foi quando ela descobriu que também havia desenvolvido um tumor no seio.
Além das preocupações comuns que a doença traz, a maternidade pareceu se tornar um sonho ainda mais distante. “Antes do câncer eu já estava num processo de tratamento da fertilidade. Quando veio o diagnóstico, confesso que a minha ideia era de que a chance tinha caído para 0%”, relata.
Como Daniela imaginava, o tratamento do câncer de mama pode sim diminuir ou até parar a produção de óvulos das mulheres. “A quimioterapia, principalmente, ataca os ovários. Há morte celular de óvulos e algumas mulheres entram em menopausa precoce”, explica Giuliano Bedoschi, especialista em reprodução humana e oncofertilidade, um dos médicos que acompanham Daniela.
No entanto, um artigo publicado no Journal of Clinical Oncology, assinado por Bedoschi e mais quatro pesquisadores, indica que congelar embriões antes do início da quimio permite que mais da metade das pacientes engravidem.
O procedimento precisa ser seguido à risca. A mulher passa pela cirurgia de retirada do tumor, é submetida à estimulação ovariana e, em seguida, tem os óvulos ou embriões congelados. Logo após, ela pode seguir o tratamento indicado pelo médico para o câncer de mama, que costuma envolver, durante cinco anos, o remédio Tamoxifeno. Depois de dois anos, se o médico avaliar que tudo corre bem, o medicamento pode ser interrompido para que a paciente engravide e amamente. Em seguida, o tratamento continua pelos três anos restantes.
Em uma loja de perucas, Daniela, uma amiga e Katia provam modelos diferentes para recuperar a autoestima. Na foto, o cabelo de Katia já começava a crescer. Foto: Acervo pessoal/Katia Rodrigues de Almeida
Falta de informação. Antes de tudo, a mulher precisa saber que a possibilidade de preservar a fertilidade existe. Pode parecer óbvio, mas Mirian Cristina da Silva, oncologista do Instituto Onco-Vida, explica que muitos médicos não falam sobre o assunto com as pacientes. “Temos diagnóstico em mulheres mais jovens, em uma fase em que elas ainda estão pensando em ter filhos. Mexe muito com a mulher, com o emocional”, justifica. Portanto, é essencial alertar a paciente sobre a possibilidades que ela tem.
Reincidência. Passado o processo do congelamento e, posteriormente, implantação dos embriões, Bedoschi explica que a gestação não deve gerar preocupações extras à mulher. No início do mês passado, uma velha crença foi desmentida: um estudo publicado pela American Society of Clinical Oncologycomprovou que a gravidez não aumenta o risco de a paciente voltar a desenvolver câncer de mama.
Antigamente, acreditava-se que a alta carga de hormônios da gestação poderia ‘alimentar’ um novo tumor. “O câncer de mama é um tumor que tem muitos receptores hormonais. Existe um medo por parte dos médicos de que, se a paciente engravidar, poderia comprometer negativamente: voltar, atrapalhar o tratamento”, afirma Bedoschi.
O novo estudo veio para corroborar a percepção que muitos médicos como Bedoschi e Mirian já tinham, e pacientes como Daniela puderam ficar ainda mais tranquilas. “Eu embarquei de cabeça em congelar o embrião e não tenho nenhum receio. Sei disso com base nas pesquisas, nas pessoas e no sentimento que tenho no coração”, disse a analista financeira. Ela pretende tentar engravidar a partir de outubro, quando completa dois anos desde o início do tratamento.
Esperança. Aos oito meses de gestação, Renata Quinzan Virches Torosian também comemora o resultado da pesquisa. Ela descobriu um câncer de mama em 2013 e, depois de retirar o tumor e cumprir os dois anos iniciais de tratamento, conseguiu engravidar após fertilização in vitro. “Eu poderia tranquilamente adotar uma criança, mas eu tinha o sonho de engravidar, isso também era importante”, diz. A pequena Lorena deve nascer no mês que vem e, daqui três anos, Renata planeja engravidar novamente.
O resultado do estudo dá força até mesmo para mulheres que ainda não têm planos concretos de engravidar. Katia, irmã de Daniela, decidiu congelar os óvulos após retirar o tumor. Ela relata que chegou a ser induzida por um médico a fazer o congelamento antes da cirurgia. No entanto, o procedimento não é o indicado. Para produzir os óvulos que serão congelados, a mulher recebe uma grande quantidade de hormônios, e isso pode estimular o crescimento do tumor, explica Bedoschi, que agora também é médico de Katia.
Aliás, ela foi apresentada ao especialista por um colega dele: seu namorado, também chamado Giuliano. Ela relata que a companhia e o apoio do parceiro foram essenciais na recuperação. Eles se conheceram na semana do diagnóstico, em 2014, e continuam juntos até hoje. “Eu descobri que existe muita separação com esse diagnóstico. Eu tinha acabado de conhecer uma pessoa quando descobri o câncer, não tinha nenhuma intimidade e me deparei com isso. Normalmente ninguém quer segurar as pontas. Mas me ajudou muito ter alguém que olhava para mim e não tinha vergonha do meu corpo, do meu seio, quando eu tinha.”
Katia não planeja ter filhos no futuro próximo, mas Daniela e Renata asseguram que, além do apoio de amigos e família, a possibilidade de ser mãe foi parte essencial da recuperação. “Primeiro tive a esperança de que ficaria viva. Depois desse momento, optei por congelar os óvulos e fiquei satisfeita e esperançosa. Isso me deu força inclusive para continuar a tratamento, porque eu também queria ser mãe”, afirma Daniela. “Foi bom porque eu sabia que era uma possibilidade. Eu sabia que a vida ia voltar para o rumo que eu imaginava”, completa Renata.
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