O anúncio da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo juiz federal Sergio Moro, nesta quarta-feira, foi notícia unânime nos principais jornais do mundo - mas dividiu pensadores estrangeiros dedicados a estudar o Brasil, conhecidos como "brasilianistas".
De um lado, o pedido de prisão sinalizaria que o sistema Judiciário estaria acima dos interesses de homens poderosos, mesmo se essa pessoa for o ex-presidente mais popular da história recente do país.
De outro, avaliam alguns, traria dúvidas sobre o equilíbrio da Justiça brasileira, uma vez que as evidências contra Lula no caso do tríplex podem ser vistas como menos consistentes do que as apresentadas contra seus oponentes políticos, como o senador Aécio Neves ou o atual presidente Michel Temer.
Lula foi condenado a nove anos e seis meses de prisão por corrupção no julgamento em que era acusado de receber um apartamento no Guarujá (SP), mais a reforma do mesmo imóvel, em troca da promoção de interesses da empreiteira OAS junto à Petrobras.
Sua defesa afirma que ele é inocente e alvo de "investigação com motivações políticas".
Na sentença, Moro disse lamentar "que um ex-presidente da República seja condenado criminalmente, mas a causa disso são os crimes por ele praticados".
A BBC Brasil conversou com dois americanos que estudam o Brasil há mais de 50 anos - o juiz federal Peter Messitte e o presidente emérito do think tank Inter-American Dialogue Peter Hakim.
Ambos concordam sobre a boa imagem internacional de Sérgio Moro e a previsibilidade de sua sentença contra Lula. Mas divergem quando o assunto são as consequências da condenação do ex-presidente para os sistemas político e de Justiça brasileiros.
Para o juiz Messitte, que viveu no Brasil nos anos 1960 e desde então analisa o sistema Judiciário do país, a sentença demonstra que "juízes e procuradores brasileiros estão comprometidos com a lei e com a ideia de quem ninguém esta acima dela".
"Sinto-me bem triste em ver o que está acontecendo e não tenho nenhuma razão neste momento para questionar a legitimidade da decisão de Moro", disse.
"Sabe a antiga expressão brasileira 'para os meus amigos, tudo, para os inimigos, a lei'? Talvez as pessoas vejam finalmente vendo a lei como uma amiga. O Brasil pode estar descobrindo que a lei existe para proteger a todos na sociedade, e não para punir quem não gostamos."
Já o especialista em gestão pública Peter Hakim, que viveu no Brasil entre 1967 e 1971 e, desde então, conviveu com figuras como Fernando Henrique Cardoso e o próprio Lula, a prisão pode fortalecer ainda mais o ex-presidente, caso a Justiça não mostre o mesmo rigor contra seus opositores.
"Se o mesmo não acontecer com Aécio (Neves) ou (Michel) Temer, essa sentença pode acabar ajudando Lula em 2018, porque será interpretada como injustiça - mesmo se Lula for mesmo culpado pelo que lhe é atribuído. O problema é que as gravações e depoimentos envolvendo Temer e Aécio parecem ainda mais graves", avaliou.
"Eu diria que a maior parte do mundo hoje sente que Temer tem culpa, independente de apoiar ou não suas reformas. Se por outro lado o PSDB continuar intacto, enquanto os petistas são presos, isso pode aproximar mais do que afastar as pessoas do PT."
Hakim diz que acredita na honestidade de Sergio Moro e na consistência de sua decisão pela condenação de Lula.
Sobre as prisões da Lava Jato, entretanto, ele faz um alerta: "A condenação é um bom sinal de esforço do Poder Judiciário para limpar a corrupção, mas colocar pessoas na cadeia não reduz a corrupção - no fim, só a torna mais sofisticada e faz com que os corruptos sejam mais cuidadosos", diz.
"As prisões chamam atenção e ganham manchetes, mas ainda esperamos notícias concretas sobre reformas e mecanismos para evitar que a corrupção aconteça."
Para Messitte, que conhece Sergio Moro pessoalmente, a decisão mostra que o juiz "é um homem consciente, honesto e comprometido, que está fazendo o que tem que fazer, mesmo em condições difíceis e contra a vontade de muitos".
"Lula foi importante para dar independência para o Judiciário, Dilma fez o mesmo, e é muito irônico que eles tenham sido de alguma forma pegos por esse sistema", diz.
"A história da prisão de Lula é uma tragédia, que mostra muito para nós. Ele fez muitas coisas positivas e um governo importante, mas a pergunta é: há evidências de que ele cometeu crimes? De que fez coisas ilegais? Se sim, isso deve ser encarado de forma independente do seu legado, como está sendo feito."
O New York Times classificou a condenação como um revés "impressionante" para um político que exerceu enorme influência na América Latina por décadas.
Já o britânico The Guardian apontou que esta é apenas uma condenação entre cinco processos que Lula responde na Justiça. A decisão foi classificada pelo jornal como a mais expressiva no contexto da Lava Jato até agora e uma "queda impressionante" para Lula, "que deixou o poder seis anos atrás com uma taxa de aprovação de 83%".
Como a sentença contra o ex-presidente afeta a imagem internacional do país? - pergunta a reportagem aos dois especialistas.
"Não acho que diminua a imagem do Brasil", responde Messitte. "Essa é mais uma demonstração de como a Justiça e o Ministério Público estão comprometidos com a lei."
Hakim diz que a reação dependerá "da forma como a imprensa abordará" o assunto.
"O Brasil está se tornando conhecido por ser um país muito corrupto. Alguns vão dizer que criminosos não conseguem se safar no Brasil, que o Brasil tem um bom Judiciário. Outros dirão que o governo pode estar manipulando a Justiça e que a Justiça pode estar manipulando a política", avaliou.
Apesar de dizer confiar do amadurecimento das instituições no Brasil e na continuidade da Lava Jato, o juiz Messitte lembra da extinção do Grupo de Trabalho da Polícia Federal na Lava Jato, que desde 2014 atua exclusivamente nas investigações em Curitiba e foi classificado como um "desmonte" por procuradores da República.
Após o anúncio da medida, na semana passada, a PF minimizou seu impacto, afirmando que a Lava Jato está cada vez menos centralizada em Curitiba e que a decisão visa priorizar as investigações de maior dano aos cofres públicos.
"Os cortes no financiamento e na força-tarefa obviamente terão um grande impacto. Parece que foi feito intencionalmente - eu não sei quais seriam os benefícios, mas tentar ser 'mais eficiente', como alegaram, não me parece muito convincente", diz.
"Mas eles (procuradores e juízes) vão fazer o que têm que fazer e vão seguir em frente, tenho certeza", completa o Messitte.
Hakim chama atenção para outras possíveis manobras de deputados e senadores para limitar investigações.
"Há uma batalha. Vê-se congressistas tentando passar medidas para protegê-los, vê-se gente dizendo que o mais importante são as reformas econômicas e deixando a corrupção em segundo plano. É preciso atenção", afirmou.
Lula poderá recorrer em liberdade à decisão anunciada nesta quinta-feira.
Se o Tribunal Regional Federal (TRF) confirmar a condenação, ele poderá ser preso e ficar inelegível. Como o tribunal costuma levar por volta de um ano para analisar os recursos às sentenças de Moro, é possível que a decisão ocorra nas vésperas da próxima eleição presidencial.
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