A renúncia de Hassan Diab ao cargo de primeiro-ministro libanês, anunciada na última segunda-feira (10), é mais um capítulo da crise política e econômica do Líbano que se arrasta há anos, mas que foi intensificada após as explosões no porto de Beirute.
Depois do incidente, que deixou mais de 200 mortos, manifestantes voltaram a tomar as ruas do país contra a classe política. Um grupo inclusive tentou invadir a sede do Parlamento libanês. Pressionado, Diab pediu renúncia ao presidente, Michel Aoun. Ele aceitou que o premiê deixasse o cargo, mas pediu que continuasse na função de forma interina até a formação de um novo governo.
Diante desse cenário, o que deve acontecer no Líbano nos próximos dias?
Dificuldades do novo governo
Foto: Tele Liban/Handout via Reuters
Mesmo com as manifestações cada vez mais aguerridas por uma mudança profunda na classe política, dificilmente o Líbano chegará a um governo formado por novos grupos políticos. Isso ocorre pelas seguintes razões:
Essas dificuldades não são novidade no Líbano, que passou pelo mesmo impasse em outubro de 2019. Naquela época, Saad Hariri também sucumbiu aos protestos e deixou o cargo. Mas somente em janeiro Diab assumiu o posto de premiê, cargo que deixaria sete meses depois.
Diab assumiu com a promessa de um governo técnico para atacar o pesadelo econômico vivido pelo Líbano, o pior desde a Guerra Civil (1975-1990). Ele não conseguiu, porém, se esquivar das exigências da classe política, que inclui o movimento xiita Hezbollah como um dos principais partidos governistas.
Manifestação contra o governo do Líbano em Beirute, em 8 de agosto de 2020 — Foto: Anwar Amro / AFP
O Hezbollah – do árabe "Partido de Deus" – é uma facção sediada no Líbano formada por militantes radicais da minoria xiita no país. Apoiado pelo Irã, o grupo nasceu na década de 1980 para enfrentar tropas de Israel que ocupavam o território libanês.
Nas décadas de 1990 e 2000, o grupo se fortaleceu fora das ofensivas armadas e intensificou a participação na política libanesa. O braço político do Hezbollah vem conquistando cadeiras no Parlamento do Líbano – chegando, inclusive, a fazer parte do governo.
O fator Macron
Macron fala com libanesa durante visita a Beirute, nesta quinta-feira (6). — Foto: AP Photo/Bilal Hussein
O presidente da França tomou a dianteira da resposta internacional à crise no Líbano, país que é uma ex-colônia francesa. Chegou a circular na internet uma petição para que Macron assumisse temporariamente o controle — algo que demonstrou simbolicamente o rechaço dos libaneses a toda classe política do país.
A recepção efusiva a Macron quando visitou Beirute momentos depois das explosões preocupou o presidente Michel Aoun, sobretudo após o francês dizer que o Líbano teria de passar por reformas profundas.
O presidente da França, Emmanuel Macron, durante teleconferência com outros líderes mundiais sobre a situação no Líbano — Foto: Christophe Simon/Pool via Reuters
Na quinta-feira, Macron prometeu em Beirute que a ajuda para reconstruir a cidade não irá para "mãos corruptas", e pediu às autoridades políticas do país que façam reformas, ou correm o risco de mergulhar o Líbano ainda mais fundo na crise.
Nesta segunda, a França anunciou quase 253 milhões de euros em apoio humanitário imediato ao Líbano para tentar atenuar os efeitos da explosão na crise econômica libanesa. Durante reunião online, Macron adotou outro tom disse que esse valor não estava condicionado a reformas políticas ou institucionais.
Destruição em Beirute
Armazéns do porto de Beirute, no Líbano, ficaram destruídos na explosão de terça-feira (7) — Foto: Hussein Malla/AP
Enquanto a classe política libanesa discute como se manter no poder em um país cada vez mais irritado com os partidos, os moradores de Beirute ainda contam os danos da megaexplosão no porto.
O incidente devastou bairros inteiros, e mais de 300 mil pessoas ficaram desabrigadas. O número de mortos após a explosão passou de 200 nesta segunda, e ainda há dezenas de desaparecidos.
A extensão dos danos preocupa tanto pela destruição de casas e apartamentos nos arredores do porto quanto pelos impactos econômicos de um porto bastante atingido. Silos considerados importantes para a distribuição de grãos no Oriente Médio e pelo Mediterrâneo foram parcialmente pulverizados — a estrutura ficava ao lado do armazém que explodiu.
A força da explosão foi tão grande que o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS, na sigla em inglês), indicou que a intensidade foi a de um terremoto de magnitude 3,3. O incidente abriu uma cratera de 43 metros de profundidade.
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