Em 27 de novembro de 1970, há 50 anos, o papa Paulo 6º (1897-1978) quase foi assassinado.
Ao desembarcar no aeroporto de Manila, nas Filipinas, enquanto era cumprimentado por religiosos e autoridades, um homem vestido como padre aproximou-se dele e o feriu, com faca, na jugular. Era um pintor boliviano que sofria de problemas mentais — as pessoas achavam que ele tinha na mão um crucifixo, e não uma arma.
Pouco mais de 10 anos depois, em 13 de maio de 1981, foi a vez de João Paulo 2º (1920-2005).
Militante de um grupo acusado de terrorismo, um atirador turco alvejou o papa na barriga, em plena Praça São Pedro, no Vaticano.
Instantes antes do início da Missa do Galo — tradicional celebração de Natal — de 2009, uma jovem suíço-italiana de 25 anos, com histórico de distúrbios mentais, avançou sobre papa Bento 16 e o derrubou.
A segurança de um papa é um tema delicado. Afinal, apesar de ser chefe de Estado, o sumo pontífice é o líder religioso do catolicismo.
Desta forma, estar em contato com o povo é um requerimento do cargo.
Não é à toa que foram adaptados veículos — como os papamóveis blindados, inaugurados por João Paulo 2º após seu atentado — para que o sumo pontífice possa trafegar com segurança em meio a multidões.
"Por protocolo diplomático, o papa deve ter segurança de um chefe de Estado, ou seja, de mais alto nível", explica à BBC News Brasil o vaticanista italiano Andrea Gagliarducci.
"Isso também se aplica às vezes em que o papa, da Praça São Pedro, chega até a Via della Conciliazione para cumprimentar as pessoas, como o papa Francisco fez algumas vezes no início de seu pontificado."
Francisco é conhecido por quebrar protocolos. Zelar por sua segurança, portanto, tem sido um desafio sem precedentes para as duas corporações incumbidas da função: a Gendarmeria e a Guarda Suíça. A primeira tem a função de "polícia federal" do Vaticano. A segunda, seriam as "forças armadas".
Historicamente, a Guarda Suíça cuida da segurança pessoal do papa desde 1506. Atualmente, integram ela cinco oficiais, 26 sargentos e cabos e 78 soldados. Com suas inconfundíveis vestes coloridas —provavelmente os militares mais fotografados do mundo —, estão presentes em todas as aparições públicas do papa.
Os soldados são contratados por um período de dois anos e precisam ser celibatários. Ganham 1,2 mil euros (cerca de R$ 7,6 mil) por mês e moram dentro do Vaticano — onde há uma caserna.
Já a Gendarmeria, conforme informações institucionais do Vaticano, é responsável pela "ordem pública, segurança e polícia judiciária". A corporação foi criada em 1816, pelo papa Pio 7º (1742-1823) — e originalmente se chamava Corpo Pontifício Carabinieri, passando por várias reorganizações desde então. Uma delas, inclusive, em setembro de 1970, dois meses do atentado de Paulo 6º.
Procurado pela reportagem, o comando da Gendarmeria afirmou, em nota, não ter autorização para "emitir declarações sobre a segurança do Santo Padre". A Guarda Suíça também disse que não e manifestaria.
"Até 1970, três grupos, oficialmente ligados à Santa Sé, protegiam não só o papa, mas todos os territórios que pertenciam à Igreja: A Guarda Palatina, a Guarda Nobre e os 'carabineiros pontifícios' — todos abolidos por Paulo 6º em 1970", explica à BBC News Brasil a vaticanista brasileira Mirticeli Medeiros, pesquisadora de história do catolicismo na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, na Itália.
"Eles constituíam o corpo armado do Vaticano. Na época, o pontífice italiano só manteve ativa a Guarda Suíça, que atua na segurança do papa de 1506 até hoje. Alegou que precisava romper com o 'espírito de corte' que ainda pairava sobre os sagrados palácios. Os carabineiros, por sua vez, passaram a atuar somente na vigilância do território. Nada mais."
Essa reformulação foi, sem dúvida, a mais importante. Até então, a Gendarmeria era militarizada. O papa decidiu transformá-la em força civil, mantendo apenas a Guarda Suíça como força militar do Vaticano.
"Paulo 6º, com a Carta de 14 de Setembro de 1970, seguida da Lei nº. LXVII de 15 de dezembro, extinguiu todo o corpo militar com exceção da Pontifícia Guarda Suíça. A Gendarmeria foi transformada em um novo Gabinete Central de Vigilância, mantendo todas as funções estabelecidas pelo então vigente regulamento aprovado pelo Papa Pio 12, que estabelecia no artigo 1.º: 'o Corpo de Gendarmeria zela pelo Sagrado e Augusto Sumo Pontífice. Tem também as funções de defender o território do Estado da Cidade do Vaticano, de exercer as funções inerentes à polícia, à ordem interna e ao serviço de segurança e de fazer respeitar as leis do Estado, os regulamentos, os decretos das autoridades públicas. Ele também presta serviço de honra", informa texto institucional da organização.
Atualmente, a Gendarmeria tem cerca de 130 agentes. Sua nomenclatura atual é recente, datando de 2002.
As regras de alistamento nessa polícia são um tanto curiosas.
Além de ser do sexo masculino e ter entre 21 e 25 anos, é preciso ser solteiro e ter "profissão e prática da fé católica". "Ao pedido [de alistamento] é necessário anexar uma carta de apresentação do próprio pároco ou de um padre que assegure a seriedade do interessado", diz a norma.
Mas se essas instituições já existiam, atentados a papas acendem alertas para revisões de normas e aumento nos cuidados. Os papamóveis, por exemplo, passaram a ser blindados depois que João Paulo 2º foi alvejado.
"Os papas do século 20, sobretudo depois da queda do Estado Pontifício, em 1870, não tinham toda essa proteção que vemos hoje. Após os atentados de Paulo 6º e João Paulo 2º, tudo teve que mudar. Atualmente há um sistema de segurança que conta inclusive com o apoio do Estado italiano", diz a vaticanista Medeiros.
"Foram várias fases de segurança", comenta Gagliarducci. "Obviamente, com as viagens de Paulo 6º (o primeiro papa a viajar de avião), tudo era diferente, ainda não havia uma organização estruturada para a segurança. Os protocolos foram executados um passo de cada vez."
Quando um papa viaja para fora do território italiano, agentes da Gendarmeria acompanham a excursão. Mas há também reforços da respectiva polícia federal do país anfitrião.
Recém-nomeado arcebispo de Brasília, Paulo Cezar Costa era bispo auxiliar do Rio de Janeiro quando a cidade recebeu Francisco, em 2013.
Ele conta à reportagem que a regra era a seguinte: quem fazia a segurança do lugar onde estava o papa era a Polícia Federal; os policiais do Vaticano se encarregavam de proteger unicamente o pontífice.
Procurado pela BBC News Brasil para detalhar como a segurança foi organizada quando hospedou Bento 16 em 2007, o religioso Mathias Tolentino Braga, abade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, confirma que o procedimento foi o similar.
Os guardas do Vaticano "estavam o tempo todo com o papa, principalmente na região interna do prédio (do mosteiro) e exclusivamente na região da hospedaria". "Também participaram da segurança a Polícia Federal e o Exército", conta.
"Eles estavam no prédio também, mas não na hospedaria. Já a Polícia Militar guardava o trajeto em que o papa percorreria e ficava diante do Mosteiro."
Gagliarducci relata que também houve uma evolução da Gendarmeria, "que se profissionalizou e se tornou também um centro de inteligência, incorporando alguns dos protocolos nacionais e se tornando hipertrófica no controle do Vaticano".
"Antes a Gendarmeria aplicava a segurança com bom senso, considerando a peculiaridade do Estado, ao passo que a adesão a determinados protocolos internacionais também tira alguma liberdade de gestão", comenta.
Até o ano 2000, o acesso à Praça São Pedro e à basílica era muito simples e rápido. A segurança foi reforçada para as comemorações do Grande Jubileu, naquele ano.
"Mas somente após os ataques de 11 de Setembro (ocorridos nos Estados Unidos em 2001), o Vaticano implementou completamente os novos protocolos de segurança, com detectores de metal nas entradas", diz o vaticanista italiano.
Foi um Itala 20/30 o primeiro automóvel a pertencer a um papa. O carro foi doado a Pio 10 (1835-1914), em 1909, pelo arcebispo de Nova York. Mas ele nunca o utilizou. Dizia não gostar da ideia de carros motorizados. Também não há registros de que seu sucessor, Bento 15 (1854-1922), tenha se aventurado a bordo da máquina.
A era dos papas motorizados foi inaugurada apenas por Pio 11 (1857-1939). Da Associação das Mulheres Católicas da Arquidiocese de Milão ele ganhou um Bianchi Tipo 15 em 1925.
Logo, fabricantes começaram a presentear o Vaticano com novos modelos — afinal, era marketing fácil as notícias publicadas com o sumo pontífice a bordo desses veículos.
Muitos consideram o primeiro veículo papal de fato o Mercedes Nürburg 460 que Pio 11 passou a utilizar no início dos anos 1930. Era adaptado e tinha um confortável trono no lugar do banco de trás. Contudo, eram tempos em que um papa mal saía do Vaticano.
Tudo iria mudar a partir de Paulo 6º, o religioso que inaugurou a era dos papas viajantes. Se precisava visitar outros povos, não lhe parecia adequado ficar dentro de um automóvel. Então ele começou, aos poucos, a abolir o uso de sedãs fechados. E aparecia instalado na parte traseira de camionetas e jipes, de modo que pudesse acenar aos fiéis.
Em 1976, passou a usar também um Toyota Land Cruiser para circular em meio ao povo na Praça São Pedro.
O papamóvel começava a substituir uma antiga tradição católica: a sedia gestatoria, o trono portátil utilizado para transportar um papa.
"Assim como os paramentos episcopais e tantos outros símbolos adotados pela Igreja, a sedia gestatoria é herança do Império Romano", contextualiza Medeiros.
"Fala-se, inclusive, que esse trono portátil começou a ser utilizado por alguns bispos já no século 5º. Era uma cópia da cadeira utilizada pelos cônsules romanos."
Seu uso está documentado desde o século 16.
"Naquela época, o papa, após a posse, sentava-se sobre essa cadeira especial para ser 'apresentado' à multidão", diz a pesquisadora.
"Depois, principalmente no século 20, não servia apenas para conduzir o papa em procissão durante cerimônias solenes, mas se tornou um meio para aproximá-lo das pessoas, de modo que ele pudesse ser visto e tocado."
Há algumas anedotas. A mais curiosa, conforme conta Medeiros, é o fato de que João 23 (1881-1963) evitava utilizá-la.