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'Era chamado de monstro', diz ex-traficante salvo pela música e pela fé

Ex-líder do tráfico em Simões Filho, Júnior do Gueto, ou melhor, Júlio Bomfim tentou bancar a carreira de cantor com a venda de drogas. Hoje missionário, usa a arte e sua história para evitar que outras pessoas entrem para o crime

07/08/2017 às 09h29
Por: Correio
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'Era chamado de monstro', diz ex-traficante salvo pela música e pela fé

Na linha da vida, os dias nem sempre se emendam conforme o planejado. A história de Júlio Bomfim Santana de Jesus, 36 anos, é uma dessas colchas de retalho que ganharam cores e ritmos que variaram da obscuridade aos tons pastéis e da revolta à fé.

Ex-líder do crime organizado em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador, onde ficou conhecido como Júnior do Gueto, ele refez sua história, tornou-se pastor, depois missionário e hoje é reverenciado na Igreja Evangélica Shalom Adonai como Irmão Júlio.

Em 2013, ainda enrolado com o tráfico, ele conversou com o Correio da Bahia e contou como tentou financiar a carreira de músico com a venda de drogas. Agora, em nova entrevista, revela o que ganhou ao escolher mudar o rumo de sua história.

O início 
Filho do já falecido Júlio Torrentino de Jesus e da costureira Eunice Souza Santana, o missionário que hoje é requisitado por diversas igrejas evangélicas para cantar e realizar pregações, desenrolou um vasto novelo para bordar sobre o temido apelido Júnior do Gueto a respeitosa alcunha de Irmão Júlio.

Casado e pai de quatro filhos, ele é direto ao falar sobre que imagem quer deixar para os herdeiros. “Quero que conheçam o pai de hoje. A pessoa que eles podem chegar na escola e ter orgulho de dizer. Antes eu era chamado de monstro. Hoje sou o Irmão”, diz.

Da infância pobre em Salvador, ele guarda, além das dificuldades vivenciadas no bairro Arenoso, a luta dos pais para não deixar faltar comida. “Quando a gente não tinha nada para comer, saía com meu pai para pescar naquele rio da Paralela. Foi uma infância muito difícil, mas meu pai batalhava para colocar o pão”.

Talentoso com a bola nos pés, Júlio chegou a passar em peneiras para jogar nas categorias de base do Vasco da Gama e do América, ambos do Rio. O instinto protetor de dona Eunice, no entanto, manteve o aspirante a craque perto de casa e longe dos gramados.

Entre um baba e outro, Júlio foi descobrindo a aptidão para a música. Naquela ocasião, o rap e o pagode dividiam a sua atenção. Ele relembra que a canção Inaraí, do grupo Katinguelê, o despertou para o seu verdadeiro sonho: cantar. “Eu ficava deitado batendo nas paredes e minha mãe perguntava se eu estava maluco. Ali, Deus estava querendo me mostrar que eu tinha um dom”, acredita.

Aos 16, fez a primeira composição e mostrou aos amigos. A aprovação dos colegas o incentivou a correr atrás do sonho. “Cheguei a cantar em alguns programas de televisão, mas as coisas não deram muito certo e as portas foram se fechando.”

Mudança de vida
A mudança para Simões Filho, no final dos anos 1990, marcou também o encontro de Júlio com o capítulo mais sombrio da sua história. Na periferia da cidade, a linha da vida de Júlio se cruzou com o crime e a paz do menino que pescava à beira do rio pouco a pouco foi  substituída pela sede de poder.

“Um traficante patrocinou meu CD e eu cheguei a me apresentar com vários artistas. Mas não tinha paz para cantar, porque sabia que estava me envolvendo no mundo errado”, cita.

Cantando raps de apologia ao crime e já descrente de que alguém fosse lhe dar uma nova oportunidade, o já rebatizado Júnior do Gueto decidiu mergulhar de cabeça no tráfico para ganhar dinheiro e pagar as rádios para tocarem sua música. “Quando entrei nesse negócio, terminei perdendo o foco da música”, conta.

Robin Hood da favela
Apesar da vida delituosa, Júnior do Gueto preservou traços dos valores bordados por dona Eunice lá na infância pobre no Arenoso. Assim, colecionou mais um apelido: Robin Hood da Baixa da Fontinha.

“O dinheiro era amaldiçoado, mas eu ajudava muita gente. Às vezes, vinha dos assaltos e distribuía dinheiro. Eu doava cesta básica, botijão de gás. Era uma pessoa má, mas com um coração bom”, conta. Esse ‘bom coração’, diz, foi o que o manteve vivo até hoje. 

“Meus colegas morreram todos, porque não tinham coração, queriam bater nos outros, matar”, conta Júlio, que  chegava a acertar com as vítimas de assaltos a devolução.

Livramento
A vida de crimes o colocou por diversas vezes em sérios apuros. Em uma dessas situações, ele lembra que viu a morte de perto. Durante uma ação policial, conta que os PMs chegaram até a casa dele, invadiram a residência e o levaram para um ‘acerto de contas’.

“Eu havia sonhado que seria preso. Confesso que achei que aquela seria a minha última oportunidade, que não tinha mais jeito. O policial botou a arma na minha cabeça.”

Àquela altura, uma multidão se aglomerava e clamava pela vida dele. Fazendo valer a máxima de que a voz do povo é a voz de Deus, ele diz que os policiais pouparam o rapaz de “ir embora mais cedo”.

Renascimento
No bordado da vida de Júlio, o dia 18 de julho de 2013 é um ponto de cruz. Naquela data, seu Júlio Torrentino faleceu, e o filho, que tanto o amava, não pôde sequer se despedir do ídolo por medo de ser perseguido pela polícia no velório.
 
Naquela data, uma ligação de dona Eunice motivou Júlio a, finalmente, voltar a andar na linha. “Minha mãe ligou na hora que meu pai morreu e disse: ‘meu filho, se você continuar nessa vida, vai morrer, e, se você morrer, eu morro também’. Aquilo rasgou meu coração e eu pensei: ‘não posso matar minha mãe de desgosto’”, recorda.

Em uma igreja evangélica em Alagoinhas, Nordeste do estado, deu o primeiro passo para deixar a criminalidade: reconheceu que precisava mudar. 

Liberdade e paz
Arrepender-se somente não seria suficiente para Júlio quitar seus débitos com a sociedade e exorcizar os demônios que tanto o atormentavam. Júnior do Gueto vivia o paradoxo de estar preso longe da prisão e viu a necessidade de se entregar à polícia para ter de volta a paz.

“Quando eu ia dormir, chorava com saudades da liberdade que tinha. Queria poder ver meus filhos. Queria ter minha família de volta”, relata. Ao seguir para o presídio, superou ainda o medo de morrer dentro da cela por conta de uma guerra entre facções. 

Hoje, após ter deixado a penitenciária Lemos Brito, onde chegou a passar 11 meses recluso, segue recosturando sua história, acertando as contas com a Justiça - atualmente, não há mandados de prisão em aberto contra ele -, e se mantém sólido no propósito de cantar. “Hoje posso não ter riqueza, mas tenho paz. Sei que estou salvo.”

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