Em meio ao cenário de incerteza causado pela segunda onda da pandemia de covid-19 no Brasil, economistas defendem que somente ações coordenadas, que combinem medidas de curto, médio e longo prazos garantem o estancamento da fome e da miséria, problemas crescentes que acompanham o recrudescimento da tragédia sanitária.
Entrevistados pelo R7, os especialistas são unânimes ao dizer que a melhor condução do país na pandemia seria o primeiro passo para diminuir os efeitos econômicos das quarentenas. Porém, com a falha nacional para conter a doença que já mata quase 4 mil pessoas por dia, os comércios e serviços voltaram a fechar, e planos de retomada econômica foram mais uma vez adiados.
Com isso, a fila extensa de brasileiros desempregados (pouco mais de 13 milhões), na informalidade do mercado de trabalho (40 milhões), ou em situação de extrema insegurança alimentar (10 milhões) deve ser engrossada nos próximos meses, explica a economista do Insper, Juliana Azinhazs.
"O cenário, tanto no macro quanto no micro, é muito perverso. E óbvio que isso tudo impacta muito a locação de recursos de curto, médio e longo prazos. Estamos falando de uma sociedade que, no limite, vai consumir menos e que já passa hoje por uma mudança de perfil. A piora social está em cima da mesa e é inevitável", argumenta.
Segundo os especialistas, nem mesmo programas do tamanho do auxílio emergencial, que somadas suas duas versões deve transferir mais de 400 bilhões para cerca de 64 milhões de brasileiros, podem segurar mais o cenário geral ruim de endividamento público, inflação e incerteza.
"O fato de você somente entregar dinheiro não confere um grande ganho no longo prazo. O que se fez foi a maneira mais fácil e mais preguiçosa de fazer a economia não parar. Na verdade tínhamos que trabalhar para manter a saúde financeira de pequenas e médias empresas para não quebrarem, e isso o governo fez de forma muito tímida", critica o professor de Relações Institucionais e Governamentais do Mackenzie, Márcio Coimbra.
O Brasil teve o problema fiscal piorado pela chegada de novas dívidas com a pandemia, atingindo mais de R$ 5,01 trilhões de Dívida Pública Federal ao final de 2020. O Orçamento de 2021, aprovado às pressas, gerou protestos da própria equipe econômica do governo Bolsonaro, que não vê possibilidades do texto atual ser executado, de tão baixos que são os valores.
Até mesmo o Congresso já admite alterar a proposta recém-aprovada, sob alertas da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado Federal de que as verbas previstas não serão necessárias nem para gastos básicos, como o da Previdência, além de pedaladas fiscais nas propostas.
Para o professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Mauro Rochlin, a visão de curto prazo e o que classificou de "negacionismo" da equipe econômica desde 2020 foi determinante para que o orçamento seja insuficiente agora.
"O governo insistiu em negar que poderia se agravar a pandemia. Achou que estava resolvido o problema e estamos vendo que não está, é o contrário e é muito mais grave agora. Paulo Guedes e equipe não preparam um orçamento e um planejamento para fazer face a essa situação em que a pandemia ainda está presente", afirmou.
Neste cenário em que Brasil ainda tenta passar pela sua fase mais dramática da pandemia e os gastos não podem ser contidos, seja com o auxílio, vacinas ou leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva), o aumento da dívida não deve ser encarado necessariamente de forma negativa, de acordo com o professor da UFABC (Universidade Federal do ABC), Fábio Terra.
"O que mais importa não é o nível absoluto da relação entre dívida pública e o PIB [Produto Interno Bruto]. É a maneira pela qual o governo mostra que equalizará essa relação ao longo do tempo, que sabe do nível do problema e demonstre como controlará esta questão", pontuou.
Para garantir investimentos públicos e a normalização das contas públicas em um período com a pandemia controlada, sem o surgimento de novos gastos emergenciais, os economistas entrevistados pelo R7 citam a reforma tributária como uma das medidas mais urgentes e que poderiam fazer frente ao desafio fiscal brasileiro.
"A reforma tributária, muito mais para a conta pública, é necessária para reduzir os custos tributários de produção no país e para reduzir desigualdades. Nosso sistema tributário, além de absolutamente ineficiente, é desigual", diz Fábio Terra.
Para o coordenador da Comissão de Política Econômica do Cofecon (Conselho Federal de Economia), Fernando Aquino, uma das prioridades também devem ser os investimentos do governo logo após o controle da pandemia.
"A gente está com a economia ociosa. O governo gastando, vai estimular a economia, aumentando o emprego e as vendas. É o que os EUA estão fazendo, aprovando planos fabulosos de incentivo, que não víamos desde a 2ª Guerra Mundial", argumenta.
Já Mauro Rochlin considera fundamental o controle das contas. "Eu creditaria toda a alta do dólar, de R$ 4,10 antes da pandemia a este patamar de agora, de R$ 5,70, como reflexo de uma fragilidade fiscal. A inflação hoje é mais alta por causa do câmbio, e a taxa de juros também tem que acompanhar essa alta. Os juros maiores têm impacto negativos no PIB e no emprego", explica.
Em comum os especialistas avaliam que a solução completa do mix de problemas da economia brasileira passa pela definição de uma agenda econômica, aliada à estabilidade política, à responsabilidade fiscal e ao controle da inflação.
"A solução para o Brasil passa por reformas estruturais que, feitas de uma forma séria, devem demorar pelo menos uma década para que a economia entre em uma trajetória positiva e sustentável. A gente não está falando de um resultado definitivo para 2022 ou 2023, e sim para 2028 ou até mais", finaliza Azinhazs.
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