Uma investigação da Polícia Federal resultou na operação "Harém BR" deflagrada na última terça-feira (27) e desvendou um sofisticado esquema de exploração sexual que usava redes sociais para aliciar jovens e adolescentes para se prostituir no Brasil e no exterior por valores que chegavam a mais de R$ 10 mil por programa.
Segundo os investigadores, os agenciadores que trabalham com o chamado “book rosa” – modelos que se prostituem – agora miram um outro público: influenciadoras digitais e youtubers. Um cliente chegou a encomendar meninas “influencers” com mais de 2 milhões de seguidores.
A organização criminosa entrou no radar da Polícia Federal em 2018, quando foi desmantelada uma quadrilha de estelionatários que usava cartões clonados para comprar passagens aéreas na Operação Nascostes.
Os falsários usaram o cartão de um juiz federal para comprar passagens aéreas para Doha, no Catar. Os bilhetes eram para duas garotas de programa que haviam sido aliciadas para trabalhar no país que irá sediar a Copa do Mundo de 2022.
Em depoimento à Polícia Federal, as jovens disseram que haviam sido contratadas por um empresário de São Paulo que se chamava Rodrigo, e que ele seria dono de uma agência de modelos, que tinha parcerias com agências de prostituição de luxo em outros países. As garotas apontaram Rodrigo como o responsável por providenciar as passagens. A investigação avançou e os agentes conseguiram identificar Rodrigo Otávio Cotait, de 44 anos.
A agência de Rodrigo é apontada como a BKR Casting. Segundo a investigação, a agência seria especializada em “book rosa” – modelos, atrizes e celebridades que se prostituem. O site da BKR já forneceu uma pista aos agentes, porque estava registrado no email que se iniciava com o sugestivo nome de bookrosacasting@...
A Justiça Federal autorizou a quebra do sigilo das redes sociais, aplicativos de mensagens e do celular do Rodrigo. As informações, fotos, vídeos e conversas revelaram um sofisticado esquema internacional de exploração sexual, incluindo até menores de idade.
Segundo a PF, as modelos eram catalogadas em uma espécie de cardápio virtual com fotos, vídeos e código, como se fossem um produto. Não eram identificadas pelo nome. Eram identificadas pela letra M e um número. O “casting” era enviado aos clientes por aplicativo de mensagem ou email.
Nas fotos encontradas pela PF, Rodrigo ostenta dinheiro, fotos com mulheres seminuas, e detalhes do apartamento de alto padrão onde mora na Zona Sul de São Paulo. A PF apreendeu dois carrões de luxo importados na garagem do edifício. No relatório dos agentes que o prenderam na terça-feira passada, consta que Rodrigo era o terror dos vizinhos.
Os policiais mencionaram relato do síndico de que ele era odiado, que sempre fazia arruaça no apartamento com as prostitutas. Nas mensagens em poder da Polícia Federal ele conta para uma parceira que “testa” todas as mulheres com quem trabalha no apartamento onde foi preso
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Segundo a investigação, Rodrigo buscava mulheres no Instagram atendendo a pedido de clientes que enviavam os perfis de quem estavam interessados em manter relações sexuais, mesmo sem saber se eram prostitutas ou não.
Para se aproximar, o empresário afirmava ser dono de uma empresa de maquiagens que pretendia contratar os serviços da dona do perfil para divulgar a marca, algo natural no mundo dos influenciadores digitais. Só que era um pretexto para se aproximar e fazer a oferta de manter relações sexuais pagas com os clientes dele. Em alguns casos, ele conseguia convencer a mulher, que passava a integrar o catálogo da BKR.
A Polícia Federal descobriu que o aliciamento de jovens influencers também incluía adolescentes. Durante a investigação, eclodiu o caso de uma cantora de funk com milhares de seguidores acusada de aliciar uma adolescente de 16 anos para manter relações sexuais com um empresário chamado Wiliam, dono de um shopping no Paraguai. A oferta era de R$ 5 mil com viagem e estadia pagas.
O escândalo assustou Rodrigo que trocou mensagens com parceiras reclamando da indiscrição da cantora. Na conversa, ele admitiu que costumava enviar menores para o libanês naturalizado brasileiro Wissan Nassar, conhecido como “Willian da Pioneer”, dono de lojas em Ciudad Del Este, no Paraguai. A própria cantora, quando ainda era menor de idade, teria sido uma das meninas aliciadas.
O empresário disse na conversa que Nassar gastaria R$ 200 mil por mês para manter relações sexuais com jovens e que preferia influencers. O cliente chegou a mandar para Rodrigo, uma lista com os nomes de 44 adolescentes e jovens influencers e youtubers nas quais ele tinha interesse sexual, assinalando que já havia conseguido encontros com três delas. O agenciador chegou a reclamar que o cliente estava exigindo meninas com 2 ou 3 milhões de seguidores, o que dificultava o aliciamento.
Em outra mensagem, Rodrigo admite que já havia aliciado outras adolescentes a pedido do cliente. E diz como consegue convencê-las a se prostituir: “Eu já abordei menina menor, consegui levar...Quando eu consigo o contato e começo a desenvolvê , vou pisando em ovos, delicadamente, demora um tempo, tem todo um sigilo confidencialidade, nome do cliente, isso demora um tempo”.
Na investigação, a PF conseguiu identificar três adolescentes enviadas pelo empresário para o Paraguai. Conversamos com uma delas que hoje tem 20 anos. Ela disse que tinha 15 anos, quando foi contatada por Rodrigo que ofereceu serviço para divulgar a marca de maquiagens dele chamada Tommy G.
A jovem disse que depois recebeu uma proposta para um evento em Foz do Iguaçu, que teria que ser simpática com o cliente (Nassar), mas não havia menção a contato íntimo. Ela garante que não manteve relações sexuais com Nassar, que também foi preso nesta semana.
Mas as mensagens de Rodrigo interceptadas pela PF contam uma história diferente: ela não só teria feito o programa com o empresário, como também teria passado a integrar o casting da agência depois de completar 18 anos.
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Segundo a PF, o esquema comandado por Rodrigo integrava uma rede internacional de exploração sexual em todos os continentes. O esquema também envolvia falsificadores de documentos para obtenção de vistos e os golpistas que compravam passagens com cartão clonado.
Em uma conversa, Rodrigo explica a uma interlocutora que só enviava ao exterior as mulheres “produto exportação”. Para isso, ele mantinha contatos com aliciadoras no Brasil e em outros países, como Espanha, Estados Unidos, Austrália, Peru e Bolívia.
O destino mais concorrido era Doha, no Catar e era articulado por Ivânia de Castro Andrade, uma suposta agenciadora brasileira radicada em Barcelona, na Espanha, que também foi presa nesta semana pela polícia espanhola.
Segundo a investigação, a promessa era de ganhos de até R$ 5 mil por dia, hospedagem em hotéis e poucos encontros. Mas quando chegavam no país dos Emirados Árabes, a realidade era outra.
Excesso de trabalho, isolamento, situações degradantes, violência e estupro foram identificados na investigação. Elas não podiam se comunicar entre si, não podiam sair do hotel e só podiam se deslocar para os programas com um motorista da agência.
Uma modelo reclamou com Rodrigo que não teria condições físicas de manter dez relações sexuais por dia. Ficou com medo de pegar uma doença e ter que gastar o que ganhou com médico.
Outra garota contou a Rodrigo que um cliente a agredia, que mandava fazer coisas horríveis e que estava toda roxa de pancadas. Ela teve que atender o agressor mais de uma vez. Ainda em Doha, outra jovem enviada pelo empresário reclamou que entrou no quarto errado no hotel para onde havia sido enviada e foi estuprada pelo hóspede, que nem cliente era.
Como a prostituição é proibida no Catar, em alguns casos as coisas não terminavam bem para as mulheres. Na investigação, consta que o motorista da quadrilha de Rodrigo em Doha foi preso pela Polícia, o que levou à descoberta das garotas brasileiras que também acabaram presas e foram deportadas. Uma delas disse que gastou o que ganhou com a passagem de volta ao Brasil.
A investigação encontrou uma lista que indica o envio de 43 mulheres para Doha entre 2017 e 2019.
Para ganhar mais dinheiro, os aliciadores orientavam sobre o tempo e o tipo de prática sexual que as modelos deveria fazer com os clientes. Ganhava mais quem se submetia aos caprichos e desejos dos homens.
Em alguns casos, a viagem poderia render até US$ 37.500 (R$ 204 mil) por 15 dias de trabalho no Oriente Médio. Era serviço especial, segundo os aliciadores, para atender príncipes de países dos Emirados Árabes. Eles eram exigentes, pediam mulheres altas, magras e jovens, sem tatuagens e educadas.
Nos Estados Unidos, as parceiras de Rodrigo atuavam em esquemas de prostituição em Nova York e na Califórnia, além de outros estados como Texas e Oregon. O esquema lá também era feito em hotéis, o pagamento era de até US$ 500 por programa e o dinheiro tinha que ser dividido com os agenciadores locais.
A prestação de contas era feita por foto no aplicativo de mensagem. Uma das garotas que estava em Portland, no Oregon, envio foto com a relação de clientes que havia atendido e quanto havia faturado.
Os clientes eram identificados por apelidos que eram relacionados às características físicas ou comportamento dos clientes. Em apenas um dia, a mulher atendeu seis homens e ganhou US$ 2 mil. No final, ela ficou apenas com parte disso.
Entre os investigados, há aliciadores de outros estados que atuavam no Brasil e também que forneciam mulheres para o esquema no exterior.
Funcionava como uma espécie de intercâmbio entre as agências de vários estados e havia o pagamento de comissão por cada negócio que fechavam, ou seja, parte do cachê que seria pago à garota.
Segundo a investigação, uma das aliciadoras nacionais é Maria de Fátima Abranches Castro, que organiza o concurso Miss Goiás. Ela foi consultada por Rodrigo para fornecer alguma “miss” para clientes no exterior. Ela também teria participado, segundo a PF, do aliciamento de uma jovem que foi enviada para um cliente em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. Maria foi presa na operação "Harém BR", mas a Justiça concedeu habeas corpus e ela irá responder ao processo em liberdade.
Outra parceira de Rodrigo era a modelo Nubia Oliver. Segundo a investigação da PF, ela forneceria jovens para o esquema e foi alvo de busca e apreensão. Há mensagens nas quais ela informa o preço de garotas, sendo que uma cobra R$ 30 mil. E ainda passa o contato de jovens modelos com as mantem contato de outros estados para uma viagem à Bolívia organizada pelo empresário.
Após o curso das investigações os envolvidos podem ser indiciados pelos crimes de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e organização criminosa e as penas podem chegar a até 16 anos de prisão.
Procurados pela reportagem da RecordTV, os advogados Dhyego Lima e Fernanda Marini Saad que defendem Rodrigo Otávio Cotait disseram que o cliente é inocente e enviaram a seguinte nota:
“O Sr. Rodrigo Otávio Cotait, conceituado empresário do setor de cosméticos, foi alvo de ilegal mandado de prisão expedido pela 1ª Vara Federal de Sorocaba.
A prisão preventiva contra ele decretada viola a Constituição Federal e o Código de Processo Penal.
Não obstante as dificuldades decorrentes da falta de acesso à integralidade dos autos do Inquérito Policial que deu origem à “Operação Harém”, fato que inviabiliza o exercício da ampla defesa, os Advogados subscritores desta nota impetraram, na última quinta-feira, dia 29 de abril, habeas corpus perante o egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
A Defesa confia no Poder Judiciário brasileiro e espera que essa injustiça seja reparada o mais breve possível.”
Já o advogado do empresário Wissam Nassar, Lucas Vicensi, disse que "não está autorizado a comentar o caso".
O advogado Paulo Guilherme Domingues Bastos, que defende Maria de Fátima enviou a seguinte nota: “A defesa de Maria de Fátima, o advogado Paulo Guilherme Domingues Bastos, recebeu com perplexidade as medidas contra sua cliente, que foram imediatamente rebatidas judicialmente, resultando em sua liberdade.
Acerca dos fatos alegados, a defesa informa que se manifestará tão logo tiver acesso ao conteúdo integral da investigação.”
Já o advogado Rodrigo Brandieri, que defende a modelo Nubia Oliver, disse que não irá se manifestar sobre a investigação da Polícia Federal, porque ainda não teve acesso à íntegra do processo.
Não localizamos a defesa de Ivânia de Castro Andrade, que foi presa na Espanha. Está nota será atualizada caso o advogado da investigada entre em contato com a reportagem da RecordTV.
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