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OPINIÃO | Estado Democrático e a crise de legitimidade

Artigo de opinião do Dr Nunisvaldo dos Santos, Juiz de Direito de Santo Estevão

27/10/2017 às 19h22
Por: Correio Fonte: Correio da Cidade
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Foto | Arquivo pessoal
Foto | Arquivo pessoal

Autor |  NUNISVALDO DOS SANTOS, Juiz de Direito – TJBa | Especialista em Ciências criminais, Criminologia e Segurança Pública

O Estado Democrático de Direito se sustenta em três pilares, que são os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, os quais deverão ser independentes e harmônicos entre si. Ao Poder Executivo compete, privativamente, dentre outros, enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamentos previstas na Constituição, art. 84, XXIII, CF. Por outro lado, ao Congresso Nacional (Poder Legislativo), o qual é composto da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, além do processo legislativo (elaboração das leis), dentre outros, com a sanção do Presidente da República, cabe dispor sobre o plano plurianual, diretrizes orçamentárias e orçamento anual, art. 48, II, CF e 59, CF. Por fim, ao Poder Judiciário ficou reservada a competência jurisdicional, que é o dever de fazer cumprir as leis e observar a sua  constitucionalidade. 

Na Câmara dos Deputados, teoricamente, encontram-se os legítimos representantes do povo, os quais são eleitos pelo voto direto e secreto para representarem a sociedade durante o exercício do mandato. Qualquer mandato somente é legitimamente exercido enquanto o mandante depositar o mínimo de confiança em seu mandatário, o qual age em seu nome. Uma vez inexistente este liame de confiabilidade entre mandante (o eleitor) e mandatário (o eleito), recomenda-se que o mandato seja revogado, por se instalar, a partir deste momento, um verdadeiro conflito de interesses, para não dizer usurpação de representação, na medida em que o mandatário  passa a usar o mandato que lhes fora outorgado na defesa de direitos e interesses exclusivamente pessoais, em detrimento dos direitos e interesses do mandante, embora este seja o titular originário do poder de mando. E quais as consequências quando esta inversão não ocorrer de forma pontual, como exceção de uma regra, mas sim, como a própria regra, a exemplo do que está acontecendo em nosso país, onde a crise se instalou em todos setores do Congresso Nacional, dos parlamentares aos partidos políticos? E de quebra, ainda temos um presidente da república que, além das enxurradas de denúncias por crimes de natureza diversas, a cada dia bate um recorde de impopularidade.

Nenhum eleitor, no exercício ordinário de sua cidadania e em pleno tino de suas faculdades mentais elege deputado e senador para instalar no  Congresso Nacional uma matriz de organizações criminosas, e muito menos um presidente da república alvo de diversas denúncias no sentido de ser ele, presidente, o chefe-mor daquela organização. Aliás, diante do que se ver no noticiário diário, não se trata da existência de um chefe da organização, mas sim, de uma organização que se movimenta mediante atos e ações emanadas de um verdadeiro pluvirato.  

Em tais circunstâncias, a primeira consequência é a instalação de uma crise de legitimidade, a qual pode ser corrigida tanto de forma moderada e democrática quanto de forma extrema. A forma democrática e moderada que se recomenda é o voto, por ser este o legítimo instrumento de revogação do mandato, uma vez frustrada a fidúcia (confiança) esperada por ocasião do exercício do mandato. A forma mais extremada existente é a revolução, a qual para ocorrer necessita do rompimento de todo o sistema político até então vigente e a posterior convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte para a elaboração de uma nova Constituição. Curioso ressaltar, neste ponto, que no Brasil nunca houve revolução, uma vez que a autêntica revolução é gestada a partir de manifestações populares e tem início pelo próprio povo, o único titular do Poder Constituinte originário, culminando, ao final, com a promulgação de uma nova Constituição, a qual deve entrar em vigor inaugurando um novo regime totalmente desvinculado daquele  até então vigente. Dissolvida a Assembleia Constituinte com a entrada em vigor da nova ordem constitucional, qualquer outra reforma inserida neste novo regime, obrigatoriamente, dever ser limitada e secundária.

O certo é que nenhuma Constituição brasileira teve como origem algum movimento revolucionário da planície, que é a base popular. Pelo contrário, sempre teve como origem a insatisfação do planalto, o qual é formado pelas elites dominantes, e a nossa atual Constituição Cidadã não escapou desta regra. Podemos dizer que, entre nós, sempre houve involução, que são os movimentos gestados de cima para baixo, enquanto a revolução decorre de movimentos de baixo para cima. Ou seja, são revoluções às avessas, embora não possamos deixar de reconhecer a sua utilidade político-social para o futuro da  nossa história, e que tal modalidade de movimento não ocorre somente entre nós.

Os léxicos também trataram de conceituar o significado de revolução em seus dicionários, tendo HOUAISS a conceituado como “Grande transformação, mudança sensível de qualquer natureza, seja de modo progressivo, contínuo, seja de maneira repentina"; "movimento de revolta contra um poder estabelecido, e que visa promover mudanças profundas nas instituições políticas, econômicas, culturais e morais”. Por outro lado, SILVEIRA BUENO a define como sendo “Rebelião, sublevação, levante armado, revolta, rebeldia, indisciplina; modificação profunda na opinião pública no conceito já firmado a respeito de determinados problemas sociais, literários científicos”.

O passado histórico nos permite concluir que as constituições que têm origem em movimentos revolucionários tendem a ser mais estáveis. Contudo, têm o inconveniente de exigir maior sacrifício do titular do Poder Constituinte, pois, a revolução quase sempre se manifesta mediante lutas armadas e violentas entre grupos políticos e sociais. Todos nós esperamos que, nas próximas eleições, possamos fazer uma revolução pacífica em nosso país, não mediante luta armada e nem mediante processo de insubordinação, mas sim, mediante uma   modificação profunda na opinião pública no conceito de escolha dos nossos representantes políticos, o que não vai ser nenhuma tarefa difícil para o eleitor, diante do manancial de informações que nos chegam diariamente pelos diversos meios de comunicação. E essa mudança deve começar não votando em candidato acusado da prática de crimes de corrupção ou de improbidade administrativa, a exemplo de fraude em licitações, desvio de merenda escolar, superfaturamento de obras públicas e  compra de votos, tanto por parte de presidente, governador e prefeito que  compram votos de membros do legislativo para aprovar projetos de seu exclusivo interesse, o que se tornou praxe comum em todos os níveis da República – União, Estados e Municípios - quanto daqueles que compram o voto do próprio eleitor.   

Finalizando, assim como o Ministro Barroso sugeriu ao Ministro Gilmar Mendes que ouvisse a música de Chico Buarque cujo título diz que “A raiva é filha do medo e mãe da covardia”, sugiro ao eleitor que, antes de votar, ouça a música dos Paralamas do Sucesso “Luiz Inácio (300 Picaretas”. Aliás, atualizando o título, hoje são 513, quando a vinte e dois anos atrás o cancioneiro manifestou a sua revolta, e falou “... minha burrice faz aniversário ao permitir que num país como o Brasil ainda se obrigue a votar por qualquer trocado, por um par de sapatos, um saco de farinha...” .

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