“Vocês deram sorte! Essa é uma das maiores espécies de anfíbios que temos: a rã martelo ou Boana faber”. O biólogo Marco Massao Kato ilumina com uma lanterna duas rãs enquanto o grupo de 20 pessoas que participa da visita noturna do Jardim Botânico do Rio de Janeiro reúne-se para ver os animais de perto. Logo, com um salto, ambas se escondem atrás das folhas, longe da luz. Esta é uma das primeiras paradas da primeira visita noturna a pé aberta ao público desde o início da pandemia, que ocorreu na última sexta-feira (22). Antes de avistar as rãs, o grupo pôde observar, na primeira parada do roteiro, diversos morcegos que se alimentavam em um jambeiro.
Perto dali, o grupo deu sorte mais uma vez, uma flor branca, que só aparece à noite, começava a abrir em um cacto mandacaru ou Cereus fernambucensis. “Ela está começando a abrir agora, no final do passeio a gente pode voltar para ver como ela está”, diz uma das condutoras, a funcionária do Centro de Visitantes, Lilaz Beatriz Monteiro Santos.
A visitação noturna já ocorria no Jardim Botânico antes da pandemia, até 2019, de forma esporádica. Agora as visitas voltam a ocorrer, com grupos reduzidos, de 20 pessoas e de forma regular, três vezes ao mês, sendo duas visitas a pé e uma com carrinho elétrico. A visita começa às 19h e tem a duração de 1h30. Estão no roteiro alguns pontos relevantes como o Cactário, a Gruta Karl Glasl, o Lago Frei Leandro, o Bromeliário, o Chafariz da Musas, o sítio arqueológico Casa de Pilões, entre outros.
A trilha é iluminada pelos guias apenas com lanternas. A proposta é que os visitantes tenham a experiência de estar à noite em um trechinho de mata, sentindo cheiros de flores e ouvindo barulhos de animais que só aparecem quando o Sol se põe.
Segundo a presidente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Ana Lúcia Santoro, a intenção das visitas guiadas é fazer com que as pessoas conheçam e, assim, passem a defender a preservação da natureza. A visita noturna é, de acordo com Ana, ainda mais especial. “A visitação noturna é uma experiência única, de ter o gostinho de estar dentro de uma floresta tropical no coração da Zona Sul do Rio de Janeiro, com a segurança e comodidade do Jardim Botânico mas, ainda assim, dando essa perspectiva noturna de um ecossistema como esse, com sons diferentes, fauna diferente, flora diferente, coisas que você não consegue ver à luz do Sol e nem dentro da visitação regular”, diz.
Fundado em 1808 por D. João, então príncipe regente de Portugal, o Jardim Botânico tem uma área de 54 hectares. Abriga uma área de mata preservada, contígua à Floresta da Tijuca. Essa vizinhança permite o acesso de várias espécies de mamíferos, aves, répteis e anfíbios que visitam ou moram no Jardim. Alguns deles possuem hábitos noturnos como corujas, sapos e gambás.
Segundo o Instituto de Pesquisas, a instituição abriga 850 mil amostras de plantas, desidratadas, registradas, catalogadas e armazenadas em condições especiais, que reúnem informações de extrema importância sobre a biodiversidade mundial. O acervo do herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro é o maior da América do Sul, está entre os 100 maiores do mundo e serve de referência para estudos científicos em botânica.
“A gente considera o Jardim um refúgio. A cidade está logo ali. A poucos metros, a gente vê carros, escuta barulhos, mas os animais continuam tendo seus hábitos normais aqui dentro”, diz Kato, que é o supervisor de Fauna Marco Massao e também um dos guias das visitas.
No roteiro, agora reformulado, foram incluídos os monumentos históricos que estão localizados dentro do Jardim, eles recebem uma iluminação especial, destacando-se em meio a escuridão da noite. “O Jardim Botânico passa por três períodos da história do Brasil, colônia, império e república. [Na visita], a gente pode revisitar toda essa história, junto com a coleção científica. Mais de 94% da nossa coleção é nativa. A gente passa por árvores raras e, quem sabe, avista também algum elemento da fauna”, diz uma das condutoras, a funcionária do Centro de Visitantes, Lilaz Beatriz Monteiro Santos.
Durante toda a visita, o grupo é acompanhado por vaga-lumes, que chamam atenção dos adultos e divertem as crianças. Depois de uma hora de passeio, muitas corridas e perguntas aos guias, Cauê, 10 anos, senta em um banco. Perguntado se está cansado, ele logo diz: “Não” e prontamente levanta para continuar o trajeto.
Dentre os 20 visitantes da primeira visita, cinco eram crianças. O casal de médicos Laura Segadas e Antônio Leandro Nascimento fizeram o passeio com o filho, Fernando, 10 anos. “Só de caminhar à noite no parque já é legal. Super diferente, uma sensação estranha, mas super legal”, diz Laura.
As regras do passeio noturno são semelhantes às das visitas regulares. É preciso seguir as trilhas e não se deve tocar nos animais. Também é preciso fazer silêncio e não usar lanternas e celulares, para poder ouvir melhor os animais, sem assustá-los.
“A vida é diferente, à noite, a gente vê vaga-lume, ouve corujas e sapos. Não é tão quente, então é bem mais agradável na parte da noite. E, como não tem luz, acho que os outros sentidos ficam mais aguçados. A gente ouve mais, sente mais cheiro. Vê flores que abrem mais à noite. É muito interessante, vale à pena”, diz a engenheira Natália Ramos.
Ao final do passeio, Lilaz manteve a promessa e voltou com o grupo ao Cactário. A flor do mandacaru estava toda aberta.
As visitas noturnas são feitas em duas modalidades, a pé e em carro elétrico. Os ingressos podem ser adquiridos na internet. A visita a pé custa R$ 50 por pessoa e o carrinho custa R$ 500 com capacidade para sete pessoas. Estão abertos os agendamentos até junho de 2022.
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